Designado
pelo vice-rei do Peru para fundar uma cidade, Juan Núñez Prado, com duzentos
homens, índios submetidos e animais, percorreu um extenso território,
enfrentando discórdias e desventuras. Carlos Droguett , sem se afastar da
História Oficial, relatada nas Crônicas de la Conquista, refaz esse caminho em El hombre que trasladaba las
ciudades (Barcelona, Noguer, 1973), um
dos mais belos e perfeitos romances latino-americanos. No segundo capitulo, o
capitão e seus homens avançam no continente, em pós de um sítio para assentar,
pela segunda vez, a cidade.
O
trato do Vice-rei do Peru com o capitão Juan Núñez de Prado para, no desejo de
se apossar mais e mais das terras do
Continente, fundar uma cidade, não foi fácil. O Vice-rei tinha pressa – deu-lhe
um prazo de dois meses, nem um dia a mais – e o capitão precisando de recursos
informa: prometeram cavalos e gados,
bois, cabras, ovelhas, porcos [...] e menciona, também, cães que haviam
sido trazidos no barco. Animais que, parte da expedição, igualmente, como os
homens, são vítimas dos elementos, dos acidentes topográficos e da crueldade
regendo os atos dos que se atribuem todos os poderes. Dos animais do Continente
há, uma vez, menção aos uivos dos lobos e dos chacais e às lhamas. Estas, já
usadas (como as mulas e os índios) para carregar os pedaços da cidade na
mudança e que não se diferenciam dos homens e dos outros animais, pelo seu
estado lastimável: secas, esqueléticas,
de olhos desolados e flancos trêmulos. Uma vez, fazem parte do cenário, passando
ao longe como, também, fazem parte do cotidiano perigoso da trajetória o porco
e as galinhas. O porco, movendo-se, solene
e medroso entre os soldados ou, caindo nos precipícios sem elegância, ignorantes e desconcertados. As galinhas a saltar de arbusto em arbusto, aborrecidas,
protestando fugazmente, se alvoroçando na praça do mercado ou, com tento,
entre os cavalos e os cães. E, se afundam na água de um riacho e cacarejam
apressadas ou apressadas e dignas, com
certa malignidade clarividente pulam nas paredes das casas e desaparecem
nos quartos. O galo, quando as carretas pararam sob a chuva, se pôs a cantar com escândalo e o capitão sente suas
asas que se agitavam na escuridão e divisa seu
peito vermelho, danificado pela chuva. Sente, também, noutra seqüência, o
cheiro de leite fresco das cabras e mais adiante, se dá conta da presença das
ovelhas. Sem surpresa, olha as cabras e as ovelhas que, sem rumo, correm entre
as cadeiras atiradas cá e lá e as outras que se roçam nas carretas. Ouve alguém
que lhe chama a atenção para a lã, uma lã manchada. Elas balam no escuro e,
como as vacas e os bois, fogem espavoridas pelas ruas e se despencam nos
precipícios.
Como
uma síntese do que, nesse incessante caminhar por terras estranhas em meio à
agitação dos atos (fazer e desfazer a cidade) e à inquietação dos homens (medo,
cansaço, solidão, doenças, ferimentos, mortes), essa ovelha que os soldados
vêem balar humilde, parada na escuridão, com sua lã triste a ressaltar na
penumbra, e o focinho palpitando assustado
e faminto.

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