Juan Nunes de Prado, com duzentos
homens, índios submetidos e animais,
percorreu um extenso itinerário enfrentando discórdias e desventuras para
fundar uma cidade. Carlos Droguett, sem se afastar da História Oficial,
relatada nas Crónicas de la Conquista, refaz esse caminho em El hombre que trasladaba las ciudades,
romance publicado em Barcelona, Noguer, 1973. No segundo capítulo, o capitão e
seus homens, avançam no Continente, em pós de um sítio para assentar, pela
segunda vez, a cidade.
São muitos e, muitas vezes,
mencionados no relato e se revelam pelos seus latidos e seus uivos. Os soldados
ou os capitães os escutam nos sons vindos de longe, perdidos na névoa, em meio
à mata ou, desesperados, sob o vento da tormenta; principalmente, pelas relações que se estabelecem entre esses
homens que, pela primeira, palmilham as paragens do Continente e os cães que
trouxeram consigo no caminho da
Conquista. Ao escutá-los, o capitão conta mentalmente, e conclui que são três
os que latem; quando a carreta para, os cães saltam e, latindo, o reconhecem. Ainda
assim, ao resolver abandonar a cidade não hesita em deixá-los, embora já estejam meio mortos de fome. Por vezes, os cães se igualam aos índios: com
eles, se protegem ao lado dos eixos e das rodas das carretas e, com eles,
dormitam sob o sol, na praça rodeada de árvores verdes. Deitam, perto dos
soldados, olhando as chamas com o focinho aberto. Outras vezes, os soldados os têm
por companheiros. Brincam com eles ou por eles se preocupam ao perceber a
angústia no seu latir e, então, os chamam, os procuram no escuro da noite, como
se fossem eles e não os cães os que estivessem
perdidos e desesperados.
No entanto, existe, também,
um elo muito forte a ligar os cães a alguns soldados ou ao padre Carvajal. Há o
cão que acompanha, latindo, um soldado que foge; outro, persegue um soldado
coxo que busca se esconder porque os doentes são deixados para trás quando os
espanhóis partem para fundar a cidade em outro lugar. E há aquele que se afeiçoa,
escolhe como dono um soldado ou por algum soldado é escolhido. Quando, por
entre os escombros da cidade, o prisioneiro, com os braços atados por cordas
que lhe cruzam o peito e lhe sobem pelos ombros, caminha depressa, um cão lhe segue os passos como se estivesse a
seguir o seu dono. Assim, na cidade vazia,
o cão guarda seu amo, já morto. Ao ser
abandonado o primeiro assentamento, foram deixados alguns espanhóis sem
sepultura. Padre Carvajal, indignado, não segue junto com a expedição, mas fica
para enterrá-los. Ao entrar numa casa , encontra um espanhol morto, ainda
sentado à mesa e o cão. O padre relata que ele grunhia mais do que tudo com tristeza, com desalento, com desamparo,
para me indicar que estava muito triste e sozinho[...]. Por isso, se
aproximou do padre e se deixou acariciar e ficou a seus pés enquanto dormia. Depois,
lhe acompanhou os passos entre as ruínas e, ao ver os enforcados, uivou devagarzinho.
O padre os tirou da forca e os enterrou e quando isso foi feito, o cão se
aquietou.
Nesta presença dos cães
junto com os homens da Conquista foi impossível eludir fidelidades e afetos. E,
igualmente, impossível, eludir que eles tanto foram vítimas, como testemunhos
do mal e da violência que vicejavam, sem freios, entre esses homens que, pela
primeira vez, palmilhavam as desconhecidas terras do Continente.

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