domingo, 4 de novembro de 2007

As riquezas do cofre


            São cinqüenta e duas crônicas, reunidas sob o título O cofre que a Editora Palloti de Santa Maria, lançou neste ano. Segundo livro de Afif Simões Neto – em 2005 publicou Em nome do pai – são páginas feitas de emoção. Emoção, cujo fio condutor é a consciência da passagem do tempo com seus inúmeros significados, por vezes dolorosos, por vezes, permitindo a insinuação de um sorriso e que se enraíza em São Sepé, cidade onde nasceu e para onde sempre volta quanto quer se recriar. No caminho, um olhar de desconsolo diante do que acontece a seu redor: a comida que sobra e é atirada para alguns imundos que tocam a campainha, os meninos vadios que procuram – e acham – na maconha e na cocaína, parceiras perfeitas para aprimorar o ócio nas praças escuras, o mendigo, recostado à parede do velho casarão da esquina, boca repuxada pela fome ardida. Também, um voltar-se para o passado e para o futuro. Em “Um sujeito a cavalo recolhendo meninos”, registra esse momento de sua infância em que a prisão política do pai, decretada pelos desmandos que aconteciam no país a partir de 1964, deixou sua família desamparada. Com cinco anos, não conseguia entender as ausências. O pai fora levado para São Gabriel, local escolhido pelos golpistas para aplicação do corretivo exemplar; a mãe, com a irmã mais velha, seguindo para a cidade vizinha no desejo de ficar (respeitadas as grades ) mais perto do marido. No seu entender, quando os pais sumiam só poderiam ser encontrados no cemitério. E, para o cemitério ele seguia, caminhando firme. Por duas vezes, um amigo e cliente de seu pai que num cavalo bem encilhado e reluzente de gordo costumava andar pela cidade, o encontrou pelas ruas e o levou de volta para o que sobrara da família. Hoje, diz Afif Simões Neto: Passados tantos anos, refaço o mesmo trajeto. Sozinho, como convém aos que ainda crêem na ajuda desinteressada. Levo uma flor solitária à tumba do meu protetor. Um homem a cavalo, com o bondoso costume de restituir crianças desorientadas à casa paterna.
 

            O futuro está cristalizado em “Maria Cecília”, título da crônica dedicada a sua afilhada. Ela tem quatro meses de vida, pequena boca em coração e o privilégio de receber conselhos de um padrinho que acredita não serem eles nem sábios nem demorados mas vindos de alguém que caminhou o suficiente para se arriscar no ofício de ensinar os outros aquilo que aprendeu, por conta da dor plangente, ou obra do acaso. Na verdade, se revelam valiosos pelo que dizem e pelo afeto que deles transborda:  algo de imprescindível como não esquecer o torrão que abrigou a infância, ter a certeza de encontrar, sempre, o aconchego da mãe na hora em que o mundo se mostrar o lobo mau que é, e lançar seus olhos de procela. E aceitar o ritual da família nos natais quando o levantar das taças quer  dizer prece pelos ausentes e o que para ela já está, então, estipulado: repartir abraços e seu olhar de pitanga.

 

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