São
cinqüenta e duas crônicas, reunidas sob o título O cofre que a Editora Palloti de Santa Maria, lançou neste ano.
Segundo livro de Afif Simões Neto – em 2005 publicou Em nome do pai – são páginas feitas de emoção. Emoção, cujo fio
condutor é a consciência da passagem do tempo com seus inúmeros significados,
por vezes dolorosos, por vezes, permitindo a insinuação de um sorriso e que se
enraíza em São Sepé, cidade onde nasceu e para onde sempre volta quanto quer se recriar. No caminho, um olhar de
desconsolo diante do que acontece a seu redor: a comida que sobra e é atirada
para alguns imundos que tocam a
campainha, os meninos vadios que procuram
– e acham – na maconha e na cocaína, parceiras perfeitas para aprimorar o ócio
nas praças escuras, o mendigo,
recostado à parede do velho casarão
da esquina, boca repuxada pela fome ardida. Também, um voltar-se para o
passado e para o futuro. Em “Um sujeito a cavalo recolhendo meninos”, registra
esse momento de sua infância em que a prisão política do pai, decretada pelos
desmandos que aconteciam no país a partir de 1964, deixou sua família
desamparada. Com cinco anos, não conseguia entender as ausências. O pai fora
levado para São Gabriel, local escolhido
pelos golpistas para aplicação do corretivo exemplar; a mãe, com a irmã
mais velha, seguindo para a cidade vizinha no desejo de ficar (respeitadas as
grades ) mais perto do marido. No seu entender, quando os pais sumiam só
poderiam ser encontrados no cemitério. E, para o cemitério ele seguia,
caminhando firme. Por duas vezes, um amigo e cliente de seu pai que num cavalo bem encilhado e reluzente de
gordo costumava andar pela cidade, o encontrou pelas ruas e o levou de
volta para o que sobrara da família.
Hoje, diz Afif Simões Neto: Passados
tantos anos, refaço o mesmo trajeto. Sozinho, como convém aos que ainda crêem
na ajuda desinteressada. Levo uma flor solitária à tumba do meu protetor. Um
homem a cavalo, com o bondoso costume de restituir crianças desorientadas à
casa paterna.
O
futuro está cristalizado em “Maria Cecília”, título da crônica dedicada a sua
afilhada. Ela tem quatro meses de vida, pequena boca em coração e o privilégio
de receber conselhos de um padrinho que acredita não serem eles nem sábios nem demorados mas vindos de alguém que caminhou o suficiente
para se arriscar no ofício de ensinar os outros aquilo que aprendeu, por conta
da dor plangente, ou obra do acaso. Na verdade, se revelam valiosos pelo
que dizem e pelo afeto que deles transborda:
algo de imprescindível como não esquecer o torrão que abrigou a infância,
ter a certeza de encontrar, sempre, o aconchego da mãe na hora em que o mundo
se mostrar o lobo mau que é, e lançar
seus olhos de procela. E aceitar o
ritual da família nos natais quando o levantar das taças quer dizer prece pelos ausentes e o que para ela já
está, então, estipulado: repartir abraços e seu olhar de pitanga.

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