Manoel
de Andrade é interiorano, nascido em Rio Negrinho. Poeta, perseguido pela
ditadura, fugiu do Brasil em 1969 e percorreu quinze paises da América. Sua
lírica de combate foi, então, conhecida no Continente em que os sonhos eram
perseguidos e, por eles, muitas pessoas ultrajadas. Agora, neste 2007 que está
a findar, publica, pela Escritura de São Paulo, seu último livro Cantares: vinte e nove poemas. Dividido
em duas partes, Marítimos e Sobreviventes, em ambas é constante a
presença do mar e a expressão de seus ideais que, imunes à passagem do tempo,
continuam a ser o que sempre foram.
No
primeiro poema do livro “Marítimo”, de 1965, como o indica o título, é do mar
que se trata. Nele, o poeta se dirige, na segunda pessoa, a um interlocutor –
na verdade, ele próprio – para dar conta de seu estado de espírito diante dos
impasses a vida (Teu barco / atrelado à fantasia soçobra nas brechas das
calçada), dos sonhos irrealizados de viagens irrealizadas (Já não ousas sonhar com a fascinante travessia dos fiordes), do
sentido de seu canto (e tu cantarás um
sol atrás dessa penumbra). Um mar que lhe habita a alma, mas que é o mar de sempre e de todos, de tantos que
o cruzaram para o Bem e para o Mal. Esse amado mar continuará a ser presença
nos poemas que seguem, lhe ensinando a mágica
leitura do infinito, a sonoridade e o silêncio, lhe oferecendo visões de
beleza , transparente beleza de flores e
de frutos, lhe dando a paz que só ele
concede, marcando a passagem do tempo na beleza do amanhecer, nas horas
tristes da tarde que se esvai. E, ofertando parâmetro de beleza: todas as tuas medidas eu quisera ter na
suprema síntese dos meus versos.
Na
segunda parte, do longo poema “Sobreviventes”, (de 2003), as duas primeiras
estrofes se constituem o registro do que acontecia no país, ao ser instaurado o
regime de exceção: não haver o nascimento do sol, ser proibido o amanhecer, e
nos vinte anos seguintes, as canções caladas, o norte eliminado, as bússolas
quebradas, o destino da pátria ancorado
nos quartéis. O pronome possessivo
nosso a indicar um destino comum – nossas vidas, nossas canções, nosso norte, nossos punhos, nossos
sonhos, nossos gritos de protesto amordaçada, nossos lares, nossas almas – que
no décimo nono verso da segunda estrofe é substituído pelo destino daquele
(esse tu a quem o poeta se dirige) que tentou lutar e foi neutralizado pela
repressão, observado, delatado, seguido, algemado, torturado, morto. A terceira
estrofe, um intermezzo, dizendo o que
acontecia nos anos dourados, e a volta
do pronome possessivo, nossos anos de
infortúnio, presente na estrofe seguinte onde o interlocutor, agora, é a Resistência,
cuja história é a história da própria
humanidade. O poeta lembra, homenageando, os resistentes brasileiros e
latino-americanos, em versos comovidos que não esquecem dos sobreviventes de tantas lutas abortadas / de
tantas trincheiras abertas pela fé de uma bandeira.
Manoel
de Andrade faz versos porque é poeta e o lirismo de seus poemas, se
entrelaçando no coletivo, além de expressar emoções se agiganta para reafirmar
o que é imprescindível não esquecer.
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