domingo, 11 de novembro de 2007

Cantares do mar e terra


            Manoel de Andrade é interiorano, nascido em Rio Negrinho. Poeta, perseguido pela ditadura, fugiu do Brasil em 1969 e percorreu quinze paises da América. Sua lírica de combate foi, então, conhecida no Continente em que os sonhos eram perseguidos e, por eles, muitas pessoas ultrajadas. Agora, neste 2007 que está a findar, publica, pela Escritura de São Paulo, seu último livro Cantares: vinte e nove poemas. Dividido em duas partes, Marítimos e Sobreviventes, em ambas é constante a presença do mar e a expressão de seus ideais que, imunes à passagem do tempo, continuam a ser o que sempre foram.

            No primeiro poema do livro “Marítimo”, de 1965, como o indica o título, é do mar que se trata. Nele, o poeta se dirige, na segunda pessoa, a um interlocutor – na verdade, ele próprio – para dar conta de seu estado de espírito diante dos impasses a vida (Teu barco / atrelado à fantasia soçobra nas brechas das calçada), dos sonhos irrealizados de viagens  irrealizadas (Já não ousas sonhar com a fascinante travessia dos fiordes), do sentido de seu canto (e tu cantarás um sol atrás dessa penumbra). Um mar que lhe habita a alma, mas que é o mar de sempre e de todos, de tantos que o cruzaram para o Bem e para o Mal. Esse amado mar continuará a ser presença nos poemas que seguem, lhe ensinando a mágica leitura do infinito, a sonoridade e o silêncio, lhe oferecendo visões de beleza , transparente beleza de flores e de frutos, lhe dando a paz que só ele concede, marcando a passagem do tempo na beleza do amanhecer, nas horas tristes da tarde que se esvai. E, ofertando parâmetro de beleza: todas as tuas medidas eu quisera ter na suprema síntese dos meus versos.

            Na segunda parte, do longo poema “Sobreviventes”, (de 2003), as duas primeiras estrofes se constituem o registro do que acontecia no país, ao ser instaurado o regime de exceção: não haver o nascimento do sol, ser proibido o amanhecer, e nos vinte anos seguintes, as canções caladas, o norte eliminado, as bússolas quebradas, o destino da pátria ancorado nos quartéis. O pronome possessivo nosso a indicar um destino comum – nossas vidas, nossas canções, nosso norte, nossos punhos, nossos sonhos, nossos gritos de protesto amordaçada, nossos lares, nossas almas – que no décimo nono verso da segunda estrofe é substituído pelo destino daquele (esse tu a quem o poeta se dirige) que tentou lutar e foi neutralizado pela repressão, observado, delatado, seguido, algemado, torturado, morto. A terceira estrofe, um intermezzo, dizendo o que acontecia nos anos dourados, e a volta do pronome possessivo, nossos anos de infortúnio, presente na estrofe seguinte onde o interlocutor, agora, é a Resistência, cuja história é a história da própria humanidade. O poeta lembra, homenageando, os resistentes brasileiros e latino-americanos, em versos comovidos que não esquecem dos sobreviventes de tantas lutas abortadas / de tantas trincheiras abertas pela fé de uma bandeira.

            Manoel de Andrade faz versos porque é poeta e o lirismo de seus poemas, se entrelaçando no coletivo, além de expressar emoções se agiganta para reafirmar o que é imprescindível não esquecer.

 

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