domingo, 15 de julho de 2007

Um cisne em águas turvas


        
   
O título Da nascente à Foz do Amazonas: uma viagem fantástica,   certamente, é instigante. E, muito mais, ao ser lida, nas orelhas do livro,  a apreciação da Revista Geomundo (uma façanha que excita a imaginação de qualquer pessoa),  do Jornal Luso-Americano  (Português de Vizeu na maior aventura de sempre) e, ímpar, a de Jacques Costeau: Alfredo Nascimento, valendo-se apenas dos seus próprios meios,  revelou uma coragem sem limites. Não tenho conhecimento que alguém tenha realizado um feito igual ao seu. Ele merece o meu respeito e admiração.  Não apenas, porém, a coragem de Alfredo Nascimento se mostra imensa  e surpreendente neste itinerário de sete mil, cento e quarenta e nove quilômetros, pleno de surpresas e de percalços que o rio, tanto quanto suas margens, foi-lhe oferecendo a partir da nascente, um pequeno fio de água em Vilcanota, no Peru, até a sua foz em Belém do Pará. Porque, se conseguiu sobreviver ao ritmo alucinante das corredeiras e redemoinhos, a percursos feitos em ônibus com excesso de lotação e motorista nem sempre sóbrio, ao toque maléfico e venenoso  da “Lagarta de fogo”, decisivamente elogiável é  o olhar que pousa na paisagem para vê-la e o interesse que sente pelas pessoas que a habitam. São pequenos rios a convergirem de todos os lados, um pequeno vulcão em atividade, os vales andinos cultivados, as inumeráveis espécies da fauna e da flora; são os admiráveis  tipos humanos , seus costumes, sua contribuição cultural  ao longo dos séculos. Um mundo descrito  e fotografado por Alfredo Nascimento cuja sensibilidade se revela na escolha de um amplo panorama ou de um pequeno detalhe que deseja mostrar : o rio ora plácido, ora verdadeiro turbilhão;  as silhuetas das montanhas ainda intocadas ou com as marcas do homem nas plantações em nível; os emocionantes monumentos indígenas ou o testemunho da conquista espanhola nos templos e nos imponentes casarões. Belas imagens, valorizadas por um inventiva diagramação que faz do livro de Alfredo Nascimento, juntamente com o seu texto, nascer o desejo  de se adentrar nesse Continente conhecido por tão poucos. O que, no entanto, não o defende das aves de rapina, sempre dispostas a auferir tremendos lucros, ainda que em detrimento de quem quer que seja, ou do que quer que seja e que Alfredo Nascimento não elude na breve ironia sobre a          presença de uma ONG com sede na Europa cujo objetivo é integrar pacifica e suavemente os Matsigengas na sociedade moderna: não deixa de ser sintomático que isso coincida com a descoberta de grandes jazidas de petróleo e de gás natural naquela região. Ou, no testemunho cruel quando   relata a aproximação, num  cais  do Amazonas,  de um barco que parecia feito para um conto de fadas. Todo branco,com o nome de  Cisne,  flutuava sem fazer o menor ruído. Seus quatro tripulantes, entre os quais um veterinário- cuja tarefa consistia em manter os animais sob narcóticos -  nele haviam embarcado “uma milionária carga de animais silvestres, que pretendiam contrabandear para a Europa, via aérea. Para conseguir os animais, orientavam os nativos no trabalho de captura; depois, obtinham  as guias para transporte por via aérea em nome de zoológicos,  realizando um comércio submisso a grupos europeus ou norte-americanos. De acordo com as palavras do veterinário, empolgado com os lucros que, por sua vez lhe  cabiam, aquela era a terceira viagem do Cisne que, até então, nunca havia sido interceptado por qualquer autoridade. Corria o ano de 1999.

 

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