domingo, 6 de maio de 2007

A razão do canto


            No dia primeiro de janeiro de 2006, O Estado do Paraná, publicou um poema de Manoel Andrade. Seu título “Por que cantamos” remete ao poema “por qué cantamos” de Mario Benedetti a quem, inclusive, o poeta brasileiro dedica seus versos. Na breve nota que os acompanha, Manoel Andrade explica: Num tempo em que todos caminhamos sobre o fio da navalha, me senti, como poeta, implicitamente convocado a testemunhar por que cantamos. Um testemunho sobre dúvidas, injustiças, prisões, torturas, desaparecimentos e mortes que se constituíam uma realidade para muitos brasileiros nesses vinte anos em que a ditadura imperou no país. No poema de Manoel Andrade – feito de uma longa estrofe de versos brancos – esse universo sombrio e escuso é delineado por expressões que registram fatos: balas perdidas, possível emboscada em cada esquina, caminhar num chão minado, a violência sitia os nossos atos, a corrupção gargalha da justiça.... Também, pelo que tais atos engendram: são tantos os caídos, respiramos esse ar abominável / impotentes diante do deboche, as lágrimas repetem: até quando, até quando,até quando.... Crônica certeira do que ocorria no pais e devia permanecer oculto (porque vergonhoso e covarde) tal como ocorria no Uruguai, igualmente sujeito à ditadura. Ao citar o verso de Mario Benedetti você perguntará por que cantamos há como que uma negação para esse cantar pois é constante o medo, o espanto, o silêncio habitado. No entanto, a pergunta se repete e, essencial resulta o ideário que Manoel Andrade enuncia: a esperança que habita em alguns humanos e que determina caminhos mau grado o nefasto que persiste sempre na História dos povos. Assim, ele é pródigo no seu enumerar de razões a justificar o canto e todas elas, enraizadas nas certezas que o fortalecem (uma lei maior sustenta a vida, um olhar ampara os nossos passos, o pânico retardará a primavera); na intenção solidária que o orienta (é imprescindível dar as mãos, a paz é uma bandeira solitária / à espera de um punho inumerável); na relação que possui com a realidade que se mostra a todos, mas, apenas percebida pelos que estão dispostos a ver as estrelas, as rosas, os riachos, a selva, os pássaros, a aurora. Principalmente, Manoel Andrade é possuidor da crença na renovação (a luz se redesenha em cada aurora, no trigal o grão amadurece, alguém está parindo neste instante, há uma partícula de luz no túnel da maldade) e da crença de uma vitória almejada na qual a luz vencerá as sombras e o canto dos pássaros não será silenciado. Sobretudo, tem certeza de que a sua canção irá se perpetuar para dizer das razões de um  trovador que não se cala diante do que o Poder pretende seja silenciado e que acredita ter a poesia “um pacto com a beleza. E que no verso que escreve ou em algum lugar deste universo o seu sonho e, talvez, de uma anônima multidão, floresça deslumbrante.

 

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