Publicado em 1960, traduzido em uma vintena de
idiomas e com mais de cento e cinqüenta edições, acaba de ser lançado no Brasil
A trégua, de Mario Benedetti. Como
romancista, contista, ensaísta, crítico literário, cronista e poeta, um dos
grandes nomes da Literatura latino-americana, o autor uruguaio sempre expressou
o que no Continente – e em especial no seu país – se passava. E dizer verdades,
dar testemunho o levaram a um exílio de muitos anos que não o calaram como o
demonstram os inúmeros títulos que foi publicando nas andanças, determinadas
pelos algozes bem pensantes do Continente. Em Cotidianas que reúne suas poesias de 1978 e 1979, expressa momentos
de um cotidiano em que percebe a vida no persistente canto de um grilo, no
repentino instante de alegria, no único verdadeiro de que é feita: o efêmero.
Lúdico, verseja sobre o amor, sobre a rosa, imagina que seis de seus versos,
jogados no mar, dentro de uma garrafa serão “pedrinhas e socorros e alertas e
caracóis” para a criança que os encontre. Testemunho, denuncia a destruição das
árvores, o encarceramento nas prisões das ditaduras, dos que “penam por todos/e
resistem”. E, na certeza do inaceitável caos em que estava submergido o
Continente, prega uma esperança convicta no seu esplêndido poema “Por qué
cantamos”. Título feito de uma interrogação (em espanhol, indicada pelo acento
agudo na partícula “que”) que irá se repetir, incisiva, ao se dirigir a um
interlocutor, usted, como uma estrofe
de um só verso entre os quatro primeiros quartetos dos oito que compõem o
poema. Nestes primeiros quartetos, Mario Benedetti faz um inventário dos
sombrios tempos das décadas de sessenta e setenta para os latino-americanos que
tinham a ousadia de pensar: Se cada hora vem com sua morte, se nossos bravos ficam sem abraço, se cada noite é sempre alguma ausência e cada despertar um
desencontro. Situações limites na proximidade com a decretada e inquestionável
destruição, adjudicada pelos, então, donos do poder, que não justificaria esse
cantar que ele, o poeta, se propõe. E que a partir da quarta estrofe se explicará
no iniludível: o fruto, o caule, a chuva, o rio a rumorejar, o campo exalando
primavera. E no imprescindível porque o grito, o pranto, o combate são insuficientes
e há o futuro e há os que sobreviveram. Mais do que tudo, a crença de que os
mortos desejam esse canto, que a derrota será banida. Lirismo do poeta
uruguaio, nascido em Paso de los Toros, em 1920, que se nutre, apaixonado e
sagaz, daquilo que acontece a seu redor e faz estabelecer, como já o observara
um crítico, na Espanha, com muita força,
uma perfeita correlação entre
história e literatura. Assim, ainda que seja com um atraso de quase
cinqüenta anos é, sem dúvida, meritória a edição de A trégua. E mais seria se a ela se seguissem as demais obras de
Mario Benedetti, pois não somente ele possui o dom de emocionar como o de
induzir à reflexão o quê, sobretudo, para os habitantes do Continente é algo de
singular valia.

Nenhum comentário:
Postar um comentário