domingo, 20 de maio de 2007

O canto essencial

  
     
 Publicado em 1960, traduzido em uma vintena de idiomas e com mais de cento e cinqüenta edições, acaba de ser lançado no Brasil A trégua, de Mario Benedetti. Como romancista, contista, ensaísta, crítico literário, cronista e poeta, um dos grandes nomes da Literatura latino-americana, o autor uruguaio sempre expressou o que no Continente – e em especial no seu país – se passava. E dizer verdades, dar testemunho o levaram a um exílio de muitos anos que não o calaram como o demonstram os inúmeros títulos que foi publicando nas andanças, determinadas pelos algozes bem pensantes do Continente. Em Cotidianas que reúne suas poesias de 1978 e 1979, expressa momentos de um cotidiano em que percebe a vida no persistente canto de um grilo, no repentino instante de alegria, no único verdadeiro de que é feita: o efêmero. Lúdico, verseja sobre o amor, sobre a rosa, imagina que seis de seus versos, jogados no mar, dentro de uma garrafa serão “pedrinhas e socorros e alertas e caracóis” para a criança que os encontre. Testemunho, denuncia a destruição das árvores, o encarceramento nas prisões das ditaduras, dos que “penam por todos/e resistem”. E, na certeza do inaceitável caos em que estava submergido o Continente, prega uma esperança convicta no seu esplêndido poema “Por qué cantamos”. Título feito de uma interrogação (em espanhol, indicada pelo acento agudo na partícula “que”) que irá se repetir, incisiva, ao se dirigir a um interlocutor, usted, como uma estrofe de um só verso entre os quatro primeiros quartetos dos oito que compõem o poema. Nestes primeiros quartetos, Mario Benedetti faz um inventário dos sombrios tempos das décadas de sessenta e setenta para os latino-americanos que tinham a ousadia de pensar: Se cada hora vem com sua morte, se nossos bravos ficam sem abraço, se cada noite é sempre alguma ausência e cada despertar um desencontro. Situações limites na proximidade com a decretada e inquestionável destruição, adjudicada pelos, então, donos do poder, que não justificaria esse cantar que ele, o poeta, se propõe. E que a partir da quarta estrofe se explicará no iniludível: o fruto, o caule, a chuva, o rio a rumorejar, o campo exalando primavera. E no imprescindível porque o grito, o pranto, o combate são insuficientes e há o futuro e há os que sobreviveram. Mais do que tudo, a crença de que os mortos desejam esse canto, que a derrota será banida. Lirismo do poeta uruguaio, nascido em Paso de los Toros, em 1920, que se nutre, apaixonado e sagaz, daquilo que acontece a seu redor e faz estabelecer, como já o observara um crítico, na Espanha, com muita força, uma perfeita correlação entre história e literatura. Assim, ainda que seja com um atraso de quase cinqüenta anos é, sem dúvida, meritória a edição de A trégua. E mais seria se a ela se seguissem as demais obras de Mario Benedetti, pois não somente ele possui o dom de emocionar como o de induzir à reflexão o quê, sobretudo, para os habitantes do Continente é algo de singular valia.

           

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