Dasso
Saldívar, no minucioso estudo El Viaje a
la semilla (Madrid, Alfaguara, 1997) que dedica aos textos de seu
conterrâneo, refere que a leitura da Metamorfose
de Franz Kafka iria reconduzir seu
destino de escritor e até determinar o comportamento futuro de sua imaginação.
Um amigo lhe emprestaria o livro, traduzido por Jorge Luiz Borges e a sua
leitura não somente o emocionou como o fez lembrar: mas se era assim que falava minha avó e concluir que poderia fazer
como nas Mil e uma noites e como Franz
Kafka. A partir desse momento, decidiu não apenas ser um narrador, porém um
grande narrador. Seguindo os conselhos de seu professor de Literatura do curso
secundário, deixou um pouco de lado os poetas e se propôs ler todos os grandes
romances. E começou a escrever “La tercera resignación”. Escrevia e corrigia laboriosamente, procurando não só a palavra exata mas o equilíbrio para
dar voz ao narrador que parece tudo saber sobre esse personagem de vinte e
cinco anos que passa a vida dentro de um ataúde: aos sete anos, embora vitimado
pela febre tifóide, o médico lhe assegura um prolongamento de vida, mais além da morte, explicando que suas
funções orgânicas, por um complexo
sistema de auto-nutrição iriam continuar. Por isso lhe fizeram um caixão de
adulto onde ele começou a crescer sob os cuidados da mãe que, além da limpeza
do quarto e do caixão, trocava as flores dos vasos todos os dias e abria as
janelas para que o ar se renovasse. Chega aos vinte e cinco anos percebendo o
que se passa ao redor e sentindo as transformações de seu corpo e, a partir de
um certo momento, a desintegração normal de um defunto.
O
personagem sem nome surpreende tanto quanto o terror que sente com a presença
dos cinco ratos que o ameaçam, quanto o odor putrefato que, a partir de certa
noite, seu corpo começa a exalar. Surpreende pela vida que o habita ao sentir o
perfume dos heliotrópios, ao escutar o vagaroso cair da água no tanque, o canto
do grilo que continuava cantando, acreditando
que ainda persistia a madrugada; quando
é invadido pela certeza de se saber um morto vivo, pela tristeza de não ser um
cadáver formal que o tempo converteria em pó para, assim, transformado, subir pelos vasos capilares de uma macieira e acordar mordido pela fome de uma
criança numa manhã de outono. É,
quando então, já resignado a morrer, talvez
morra de resignação.
Se
a tênue linha do relato, por vezes, se extravia, descrevendo sensações, se as
frases são densas e os recursos formais, limitados, sobretudo a uma adjetivação
sem inventiva e a algum símile, a expressão do medo, da solidão, da perda e o
tema da morte são marcas inegáveis, neste conto de iniciação. Marcas que estarão
presentes em outros textos que também fazem parte de Ojos de perro azul como de
muitos outros que a eles irão se seguir.
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