domingo, 8 de abril de 2007

O primeiro conto


            No sábado, dia 13 de setembro de 1947, aparecia, no El Espectador de Bogotá, “La tercera resignación”, o terceiro conto escrito por Gabriel García Márquez e o primeiro a ser publicado.

            Dasso Saldívar, no minucioso estudo El Viaje a la semilla (Madrid, Alfaguara, 1997) que dedica aos textos de seu conterrâneo, refere que a leitura da Metamorfose de Franz Kafka iria reconduzir seu destino de escritor e até determinar o comportamento futuro de sua imaginação. Um amigo lhe emprestaria o livro, traduzido por Jorge Luiz Borges e a sua leitura não somente o emocionou como o fez lembrar: mas se era assim que falava minha avó e concluir que poderia fazer como nas Mil e uma noites e como Franz Kafka. A partir desse momento, decidiu não apenas ser um narrador, porém um grande narrador. Seguindo os conselhos de seu professor de Literatura do curso secundário, deixou um pouco de lado os poetas e se propôs ler todos os grandes romances. E começou a escrever “La tercera resignación”. Escrevia e corrigia laboriosamente, procurando não só a palavra exata mas o equilíbrio para dar voz ao narrador que parece tudo saber sobre esse personagem de vinte e cinco anos que passa a vida dentro de um ataúde: aos sete anos, embora vitimado pela febre tifóide, o médico lhe assegura um prolongamento de vida, mais além da morte, explicando que suas funções orgânicas, por um complexo sistema de auto-nutrição iriam continuar. Por isso lhe fizeram um caixão de adulto onde ele começou a crescer sob os cuidados da mãe que, além da limpeza do quarto e do caixão, trocava as flores dos vasos todos os dias e abria as janelas para que o ar se renovasse. Chega aos vinte e cinco anos percebendo o que se passa ao redor e sentindo as transformações de seu corpo e, a partir de um certo momento, a desintegração normal de um defunto.


            O personagem sem nome surpreende tanto quanto o terror que sente com a presença dos cinco ratos que o ameaçam, quanto o odor putrefato que, a partir de certa noite, seu corpo começa a exalar. Surpreende pela vida que o habita ao sentir o perfume dos heliotrópios, ao escutar o vagaroso cair da água no tanque, o canto do grilo que continuava cantando, acreditando que ainda persistia a madrugada; quando é invadido pela certeza de se saber um morto vivo, pela tristeza de não ser um cadáver formal que o tempo converteria em pó para, assim, transformado, subir pelos vasos capilares de uma macieira e acordar mordido pela fome de uma criança numa manhã de outono. É, quando então, já resignado a morrer, talvez morra de resignação.

            Se a tênue linha do relato, por vezes, se extravia, descrevendo sensações, se as frases são densas e os recursos formais, limitados, sobretudo a uma adjetivação sem inventiva e a algum símile, a expressão do medo, da solidão, da perda e o tema da morte são marcas inegáveis, neste conto de iniciação. Marcas que estarão presentes em outros textos que também fazem parte de Ojos de perro azul  como de muitos outros que a eles irão se seguir.

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