domingo, 15 de abril de 2007

Escrever nas linhas

             Em 1937, era preparado, em Paris, um congresso de escritores antifascistas em apoio aos republicanos da Guerra da Espanha. Seria realizado em Madrid, cidade já assediada e bombardeada pelas tropas de Franco e recebia valiosas adesões em resposta ao apelo que fora feito. Em Confieso que he vivido, Pablo Neruda lembra que foi então surpreendido pela capacidade incrível de trabalho e organização de Louis Aragon: ditava todas as cartas, corrigia, trabalhando longas horas seguidas no pequeno escritório. Nesse compartilhar de tarefas, e em muitas outras, se tornaram grandes amigos que se admiravam mutuamente. Convivência que permite a Pablo Neruda defini-lo como sendo máquina eletrônica da inteligência, do conhecimento, da virulência, da velocidade eloqüente, delineando-lhe um perfil que se adequa a sua produção poética e a sua prática política engajada
 

            No livro Estética e Crítica , excelente fruto de muitos anos de estudos, recentemente publicado pela Editora da UFPR, Roberto Figurelli reúne sete estudos de estética e seis ensaios de crítica sobre cinema, pintura, e literatura. Num deles, “O caso Aragon”, análisa “Frente vermelha”, longo poema, publicado em 1931, no primeiro número de Literatura da Revolução Mundial que originou a apreensão da revista pela polícia francesa que o considerou subversivo. Roberto Figurelli, ao se debruçar sobre ele, além de se reportar a sua apresentação, aponta os versos considerados pelas autoridades uma incitação ao assassinato, razão para indiciar o autor num crime cuja pena seria de cinco anos de prisão. Um protesto iniciado por André Breton – Nós nos erguemos contra toda tentativa de interpretação de um texto poético para fins judiciários e reclamamos a cessação imediata das perseguições  ao contar com mais de trezentas assinaturas, fez com que o governo francês recuasse. No entanto, os escritores Romain Rolland e André Gide polemizam com Breton, censurando os surrealistas por reinvidicarem a inimputabilidade pelos seus escritos.

             Roberto Figurelli, antes de enunciar o seu juízo de valor sobre o episódio, lembra a posição de Sartre e a subscreve, considerando que ela é conseqüência lógica de sua concepção de liberdade e responsabilidade. E acrescenta: o escritor engajado não pode, em hipótese alguma, se eximir da responsabilidade pelos seus atos e pelos seus escritos. Conceito certamente inquestionável, sobretudo se o escritor pertencer a uma comunidade regida, deveras, por leis justas que estejam vigentes. Pois se tal não ocorrer, por qualquer idéia ou sentimento exposto que esteja em desacordo com as autoridades, o escritor poderá ser vítima de juízos de valor, baseadas, apenas, nos interesses de alguns. Os escritores latino-americanos torturados e mortos pelas ditaduras do Continente por muito menos do que os versos de Louis Aragon, citados por Roberto Figureli – camaradas/abatei os tiras, que o teu furor arrase o Eliseu – são disso a prova.

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