Logo
no início de seu livro de memórias, Vivir
para contarla (Buenos Aires 2002), Gabriel García Márquez relata a viagem
que fez com a mãe a Arataca para vender a casa que lhes pertencia. Dez minutos
antes do trem parar na cidade em que deveriam desembarcar, passa pela única chácara
que tinha o nome escrito no portal: Macondo. Lembra que essa palavra havia
chamado a sua atenção quando, ainda pequeno, viajara com o avô, mas que,
somente, já adulto, é que descobrira o prazeroso de sua sonoridade, ainda que
não a tivesse escutado dita por ninguém, nem tampouco soubesse o seu
significado. Logo depois, usou-a para designar a pequena cidade em que se passa
a ação de La Hojarasca, publicado em 1955. Porém, como já a definiria
algum crítico, nesse romance, Macondo é, apenas, uma tela de fundo sem contornos e que somente irá adquirir sua verdadeira
dimensão em Cien años de soledad
(1967). A partir de então, será uma cidade que fará correr rios de tinta.
Interpretado como um espaço mítico; valorizado em todas as referências, por
menores que sejam, inclusive quando aparece em outros textos de Gabriel García
Márquez.
Nas
primeiras linhas deste romance, que lhe deu tanta glória, Macondo aparece na
lembrança de Aureliano Buendía – uma pequena cidade de casas de barro, construída na beira de um rio de águas
diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas brancas e enormes
como ovos pré-históricos – antes que
o narrador do romance refira a história de sua fundação, fruto de um delírio de
José Arcadio Buendía. Ele ignorava completamente as características geográficas
de sua região e, com um grupo de homens, suas mulheres, crianças, animais e
tralhas domésticas se lançou na aventura de atravessar as serras em busca do
mar. Passados vinte e seis meses, não tendo chegado onde queriam, fundaram
Macondo e aí permaneceram, freados pelo argumento de sua mulher Úrsula: aqui vamos ficar porque aqui tivemos um filho.
Diligente,
ela cuidava da casa, mantendo o chão de terra batida sempre varrido e limpos os
rusticos móveis de madeira onde guardava a roupa a exalar um morno cheiro de alfavaca. Tão laborioso
quanto ela, seu marido, tipo de jovem patriarca que dava orientação para semear,
cuidar de crianças e animais e ajudava, com seu trabalho, para o bom andamento
da comunidade. Como sua casa fosse a melhor de todas, as outras lhe seguiram o
modelo com as salas grandes, iluminadas e floridas, dois quartos, um pátio, uma
horta e um curral onde viviam em
comunidade pacífica os bodes, os
porcos e as galinhas e onde os galos de briga eram proibidos. Uns poucos
anos transcorridos, Macondo se transformou numa aldeia ordeira e laboriosa: uma
aldeia feliz.
José
Arcadio Buendía lhe traçara as ruas, dispondo as casas de modo que nenhuma
recebesse mais sol do que as outras na
hora do calor e que para buscar água no rio o esforço fosse igual para
todos. Tão sábio sentido de justiça, inimaginável no mundo dos homens, parece,
no entanto, verossímil nesse universo de prodígios que se abriga sob os céus de
Macondo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário