domingo, 22 de abril de 2007

Macondo

          

            Logo no início de seu livro de memórias, Vivir para contarla (Buenos Aires 2002), Gabriel García Márquez relata a viagem que fez com a mãe a Arataca para vender a casa que lhes pertencia. Dez minutos antes do trem parar na cidade em que deveriam desembarcar, passa pela única chácara que tinha o nome escrito no portal: Macondo. Lembra que essa palavra havia chamado a sua atenção quando, ainda pequeno, viajara com o avô, mas que, somente, já adulto, é que descobrira o prazeroso de sua sonoridade, ainda que não a tivesse escutado dita por ninguém, nem tampouco soubesse o seu significado. Logo depois, usou-a para designar a pequena cidade em que se passa a ação de La Hojarasca,  publicado em 1955. Porém, como já a definiria algum crítico, nesse romance, Macondo é, apenas, uma tela de fundo sem contornos e que somente irá adquirir sua verdadeira dimensão em Cien años de soledad (1967). A partir de então, será uma cidade que fará correr rios de tinta. Interpretado como um espaço mítico; valorizado em todas as referências, por menores que sejam, inclusive quando aparece em outros textos de Gabriel García Márquez.

            Nas primeiras linhas deste romance, que lhe deu tanta glória, Macondo aparece na lembrança de Aureliano Buendía – uma pequena cidade de casas de barro, construída na beira de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas brancas e enormes como ovos pré-históricos – antes que o narrador do romance refira a história de sua fundação, fruto de um delírio de José Arcadio Buendía. Ele ignorava completamente as características geográficas de sua região e, com um grupo de homens, suas mulheres, crianças, animais e tralhas domésticas se lançou na aventura de atravessar as serras em busca do mar. Passados vinte e seis meses, não tendo chegado onde queriam, fundaram Macondo e aí permaneceram, freados pelo argumento de sua mulher Úrsula: aqui vamos ficar porque aqui tivemos um filho.

            Diligente, ela cuidava da casa, mantendo o chão de terra batida sempre varrido e limpos os rusticos móveis de madeira onde guardava a roupa a exalar um morno cheiro de alfavaca. Tão laborioso quanto ela, seu marido, tipo de jovem patriarca que dava orientação para semear, cuidar de crianças e animais e ajudava, com seu trabalho, para o bom andamento da comunidade. Como sua casa fosse a melhor de todas, as outras lhe seguiram o modelo com as salas grandes, iluminadas e floridas, dois quartos, um pátio, uma horta e um curral onde viviam em comunidade pacífica os bodes, os porcos e as galinhas e onde os galos de briga eram proibidos. Uns poucos anos transcorridos, Macondo se transformou numa aldeia ordeira e laboriosa: uma aldeia feliz.

            José Arcadio Buendía lhe traçara as ruas, dispondo as casas de modo que nenhuma recebesse mais sol do que as outras na hora do calor e que para buscar água no rio o esforço fosse igual para todos. Tão sábio sentido de justiça, inimaginável no mundo dos homens, parece, no entanto, verossímil nesse universo de prodígios que se abriga sob os céus de Macondo.

 

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