Primeiro,
são descritos os pequenos arroios do Tigre, serpenteando, contornando as ilhas
e o Anguilas, se curvando para o norte, logo se ampliando, oculto entre elas, a
desembocar num banco de juncos. Depois, os personagens que as asperezas da vida
levaram a viver na sua margem e de seus frutos: os peixes e o junco. Um deles,
denominado apenas como o velho, após os azares sofridos, chegara num bote que
lhe restara e tão pequeno que precisou fazer duas viagens para trazer seus
pobres pertences: duas ou três galinhas, o cachorro e a mulher. Mais tarde,
chegou o Boga – sem mais nome do que esse, sem idade definida, como que sem história.
Juntos, se dedicaram ao junco. O junco, informa o narrador, quanto mais
cortado, mais cresce. Quando são muitos os que trabalham cortando e cortam
demais, o mercado se satura e ninguém dá nada por um galpão cheio de junco: Não existe nada mais maldito nem mais
miserável. E por desgraça, nessas ilhas, parece viver gente que não sabe fazer
outra coisa.
O
Boga e o velho pouco falavam entre si, mas se entendiam. A relação patrão/empregado
só era manifestada pelo pontapé na porta, de manhã cedo, para indicar o começo
do dia e das fainas. Internavam-se, cada um para um lado, na solidão verde que
se balançava a cada sopro do vento. Com os pés metidos na água que, por vezes,
lhe cobriam os joelhos, descalços e carregando dois sacos amarrados por uma
corda, iam fazendo o trabalho difícil, completado, ainda, pela secagem – o
junco esparramado no chão – e pela feitura dos feixes para serem, assim, negociados
na cidade. Na maior parte do tempo, o
vento zumbia constantemente ao redor de
suas cabeças, como um enxame de abelhas, aturdindo-os e rachando-lhes a pele do
rosto. Num refúgio, buraco de meio metro cavado no chão e coberto de palha,
com um fogão feito num dos cantos, descansavam pelo meio-dia, almoçando nada
mais do que um pedaço de toucinho, umas bolachas e tomando uns mates antes de
fazer a sesta.
No
cair da noite, voltavam para o rancho, mortos de sono e de cansaço. Boga se
atirava num canto do corredor e o velho fumava, esperando a hora de comer a
observar o céu e a silenciosa chegada da
noite.
Houve
um dia, porém que não chamou por Boga e o mandou trabalhar sozinho. Quieto, no
rancho, foi definhando ao longo dos dias, no fim da primavera e se deixou
morrer no começo do verão.
Boga
passou a trabalhar sozinho em meio do mar verde, que lhe dava o sustento e lhe
deixava as mãos gretadas e o rosto de pele tensa e curtida. A distância esvaziou seus olhos e a solidão o tornou distraído e triste.
Longe, nos dias claros, podia ver contornos dos edifícios mais altos de Buenos
Aires, sob a constante opressão de uma
nuvem cinzenta e, sempre, o ruído dos aviões que nela, mundo distante,
iriam aterrizar.
Sudeste foi publicado em 1969. Um livro
de ficção entre muitos outros de Haroldo Conti, autor premiado nos Estados Unidos e no México.
Alguns anos depois foi assassinado pela repressão argentina na assim chamada
“guerra suja”. Talvez um castigo por ter
ousado escrever sobre os argentinos que trabalham a meias, comem a meias e,
assim, a meias, vão se contentando em viver.


