Desde o
descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais
tarde, norte-americano, e como tal se tem acumulado e se acumula nos distantes
centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos e seus profundidades ricas em
mionerias, os homens e sua capacidade de trabalho e consumo, os recursos
naturais e os recursos humanos. Eduardo Galeano.
O título era
sobremodo pertinente, quando foi publicado há trinta e cinco anos: Las venas
abiertas de América Latina, um livro que deveria ter sido lido por todos
os habitantes do Continente. Hoje, continua, mais do que nunca, uma
extraordinária síntese do que tem sido o fado dessa América ao sul do rio
Bravo. Interpelado, recentemente, se o tempo que passou, desde o final de 1970,
em que deu por encerrado o livro, até os dias de hoje, lhe modificou a maneira
de entender o território da América Latina, Eduardo Galeano respondeu que o seu
texto continua correto e que a realidade lhe dera razão: o abismo que separa os que têm dos que necessitam é hoje muito maior
do que quando escrevi o livro.
Na
verdade, embora só excepcionalmente, no Brasil se tenham notícias do que ocorre
nos outros países latino ou sul-americanos, esse mínimo que, vez ou outra, os
meios de comunicação registram, é suficiente para evidenciar que a situação de
pobreza e descalabros norteadores de sua História, continua a mesma que sempre
foi ou pior.
Nas
páginas que se referem ao Brasil, cuja trajetória pouco difere daquela dos
demais países do Continente, constam informações que não deveriam ter sido
negadas a seus habitantes. Porque os livros didáticos, ao relacionar os ciclos
econômicos do Brasil, em geral, não mencionam o que determinou a contínua e
persistente submissão aos interesses estrangeiros, cujo resultado foi retardar
o seu desenvolvimento. E porque um grande número de fatos, de suma importância,
como a concessão de riquezas a grupos ou a países estrangeiros, foram – ainda
que tivessem existido raras exceções, como os artigos do Correio da Manhã
do Rio de Janeiro – parcialmente divulgados ou mantidos em questionável sigilo.
Eduardo
Galeano relaciona alguns: entre 1946 e 1951, a permissão para a Bethlehem Steel
extrair o manganês do Amapá; a concessão das jazidas de ferro do Vale do
Paraopeba em 1964, com toda a gentileza
para a Hanna Mining Co: a licença para a venda a estrangeiros – a sete centavos
o acre – de uma imensa superfície na Amazônia que fora, previamente, em virtude
do acordo firmado, em 1964, fotografada pela Força Aérea dos Estados Unidos,
com vistas a detectar as jazidas de minérios; a propriedade da jazida de nióbio
em Araxá em mãos de uma filial da Niobium Corporation de Nova Iorque; a sociedade
da US Steel, ainda na década de sessenta , detendo 49% das ações e recebendo a
concessão das jazidas de ferro da serra dos Carajás com a Companhia do Vale do
Rio Doce.
Sem
dúvida, o suficiente para indignar quem possua o mínimo de discernimento em
relação aos princípios que devem orientar as decisões tomadas, visando o futuro
do país. O suficiente para lastimar que num país, onde grande parte da
população é analfabeta (pois não basta reconhecer meia dúzia de sinais gráficos
e escrever com garranchos o próprio nome para se tornar alguém que sabe ler) e,
onde, aqueles que sabem ler nem sempre dispões de fontes de informação e,
ainda, onde a ausência de hábitos de leitura incapacita, não apenas para a
compreensão de um texto como também para estabelecer relações e entender os
significados contidos nas entrelinhas.
Assim,
ler Las venas abiertas de América Latina, no Brasil e, provavelmente em
toda a América Latina, continua sendo um privilégio reservado a alguns. Como,
também, obter um lugar ao sol para uma vida digna. Porque, nestas paragens estas terras esplêndidas – diz Eduardo
Galeano – poderiam oferecer a todos o que
a quase todos negam.

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