
Um
dos mistérios do mundo literário é a aceitação, inclusive por várias gerações,
de determinadas obras e o esquecimento de centenas de outras que se perdem,
para sempre, nas estantes das bibliotecas; ou, o destino brilhante de algumas
que elogiadas pela crítica, reinam por uns tempos para, depois, desaparecerem,
definitivamente, do panorama artístico. Ou, ainda, o de outras que permanecem
na obscuridade até o dia em que surgem para um reconhecimento tardio. Tal
fenômeno, que a metodologia de um capítulo da Literatura Comparada (o destino
de uma obra) ajuda a estudar e a entender, é explicado, em parte, nos dias
atuais, pelas leis que regem a produção e comercialização de livros.
Ninguém
ignora que, nos Estados Unidos, livros de sucesso se fabricam e o caso do
romance Scarlett de Alexandra Ripley é disso um exemplo. A partir da
idéia que fez nascer o livro, até as operações de promoção que precederam o seu
lançamento, tudo foi produto da mercadologia editorial norte-americana e
resultou no maior best-seller de 1991. O ter sido lançado, simultaneamente, em
quarenta países com uma primeira tiragem de 1.500.000 de exemplares,
acompanhado das apreciações críticas, submissas ao esquema promocional,
evidentemente, lhe conferiu, no entender dos menos avisados, um valor
excepcional.
Então,
é de interesse inegável, o testemunho da autora, publicado na revista Ler
do Circulo de Leitores de Portugal (número 17, 1992). Falando durante a
primeira apresentação pública do livro para trezentos editores, quando da
Convenção da American Booksellers Association, ela testemunha sobre a situação
da edição norte-americana, uma indústria
que impede os escritores de escrever,
onde quase toda gente com experiência em
edição tem de abandonar os lugares em que trabalha e dedicar-se a uma carreira
free-lancers. Seus lugares são ocupados por pessoas com o título de editores,
mas cuja experiência e objetivos foram adquiridos apenas em vendas, marketing e
promoção. Assim, os livros tornam-se somente produtos, como flocos de cereais,
perfumes ou desodorantes. E
acrescenta: É difícil discutir com alguém
que está sinceramente orgulhoso de sua opinião formada na ignorância. O verdadeiro
crime é que esses editores abusam da inteligência do público leitor. Há muitos
milhares de pessoas no mundo fora de Manhattan com apetite por bons livros para
ler. E que estão obrigados a uma dieta pelos próprios editores norte-americanos.
Ou
seja, um depoimento corajoso da própria beneficiada da situação vantajosa que
essa política editorial torna possível e que pode significar mais um lance
promocional para Scarlett, pois, afinal, Alexandra Ripley já assinara,
então, um outro contrato para novo livro e com a mesma editora.
Evidentemente,
é preciso não esquecer que tais criadores
do gosto não agem apenas nos Estados Unidos, mas, também, nos países em que
encontram a receptividade que se origina da tradicional convicção de que o
Hemisfério Norte é, sem dúvida, o pólo irradiador de todas as verdades.
Embora
a dizer, outra vez, o que já é deveras sabido – não poucos dos livros
publicados no Brasil são os mesmos que encabeçam a lista dos mais vendidos nos
Estados Unidos – é conveniente repeti-lo. E, ainda, lembrar que, ao longo do
tempo, por diversas e, quase sempre, induzidas razões, o Brasil, embora a eles
se irmanando por um destino semelhante, tem se mantido alheio aos demais países
do Continente. A não ser as exceções – autores consagrados pela crítica do
Hemisfério Norte – não lhe é dado a conhecer uma produção literária cuja
qualidade, é, por vezes, inigualável. Tampouco, poder compará-la com a que lhe
é imposta pela opção editorial que somente visa o lucro. E, então, se dar conta
de que o ônus oriundo de um atrelamento cultural, no qual se inscreve grande
parte da produção de livros do país resulta excessivo e com o agravante de não
ter sido, ainda, devidamente mensurados nos seus malefícios.
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