domingo, 13 de novembro de 2005

A imposição




             Um dos mistérios do mundo literário é a aceitação, inclusive por várias gerações, de determinadas obras e o esquecimento de centenas de outras que se perdem, para sempre, nas estantes das bibliotecas; ou, o destino brilhante de algumas que elogiadas pela crítica, reinam por uns tempos para, depois, desaparecerem, definitivamente, do panorama artístico. Ou, ainda, o de outras que permanecem na obscuridade até o dia em que surgem para um reconhecimento tardio. Tal fenômeno, que a metodologia de um capítulo da Literatura Comparada (o destino de uma obra) ajuda a estudar e a entender, é explicado, em parte, nos dias atuais, pelas leis que regem a produção e comercialização de livros.


            Ninguém ignora que, nos Estados Unidos, livros de sucesso se fabricam e o caso do romance Scarlett de Alexandra Ripley é disso um exemplo. A partir da idéia que fez nascer o livro, até as operações de promoção que precederam o seu lançamento, tudo foi produto da mercadologia editorial norte-americana e resultou no maior best-seller de 1991. O ter sido lançado, simultaneamente, em quarenta países com uma primeira tiragem de 1.500.000 de exemplares, acompanhado das apreciações críticas, submissas ao esquema promocional, evidentemente, lhe conferiu, no entender dos menos avisados, um valor excepcional.

            Então, é de interesse inegável, o testemunho da autora, publicado na revista Ler do Circulo de Leitores de Portugal (número 17, 1992). Falando durante a primeira apresentação pública do livro para trezentos editores, quando da Convenção da American Booksellers Association, ela testemunha sobre a situação da edição norte-americana, uma indústria que impede os escritores de escrever, onde quase toda gente com experiência em edição tem de abandonar os lugares em que trabalha e dedicar-se a uma carreira free-lancers. Seus lugares são ocupados por pessoas com o título de editores, mas cuja experiência e objetivos foram adquiridos apenas em vendas, marketing e promoção. Assim, os livros tornam-se somente produtos, como flocos de cereais, perfumes ou desodorantes. E acrescenta: É difícil discutir com alguém que está sinceramente orgulhoso de sua opinião formada na ignorância. O verdadeiro crime é que esses editores abusam da inteligência do público leitor. Há muitos milhares de pessoas no mundo fora de Manhattan com apetite por bons livros para ler. E que estão obrigados a uma dieta pelos próprios editores norte-americanos.

            Ou seja, um depoimento corajoso da própria beneficiada da situação vantajosa que essa política editorial torna possível e que pode significar mais um lance promocional para Scarlett, pois, afinal, Alexandra Ripley já assinara, então, um outro contrato para novo livro e com a mesma editora.

            Evidentemente, é preciso não esquecer que tais criadores do gosto não agem apenas nos Estados Unidos, mas, também, nos países em que encontram a receptividade que se origina da tradicional convicção de que o Hemisfério Norte é, sem dúvida, o pólo irradiador de todas as verdades.

            Embora a dizer, outra vez, o que já é deveras sabido – não poucos dos livros publicados no Brasil são os mesmos que encabeçam a lista dos mais vendidos nos Estados Unidos – é conveniente repeti-lo. E, ainda, lembrar que, ao longo do tempo, por diversas e, quase sempre, induzidas razões, o Brasil, embora a eles se irmanando por um destino semelhante, tem se mantido alheio aos demais países do Continente. A não ser as exceções – autores consagrados pela crítica do Hemisfério Norte – não lhe é dado a conhecer uma produção literária cuja qualidade, é, por vezes, inigualável. Tampouco, poder compará-la com a que lhe é imposta pela opção editorial que somente visa o lucro. E, então, se dar conta de que o ônus oriundo de um atrelamento cultural, no qual se inscreve grande parte da produção de livros do país resulta excessivo e com o agravante de não ter sido, ainda, devidamente mensurados nos seus malefícios.

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