Um narrador
tradicional – aquele que parece tudo saber – fixa no conto “A liberdade dos
varais” o momento em que ela olhou as roupas secando ao vento e desejou a
liberdade dos varais, acreditando que possuem uma felicidade inerente de
tarefa realizada, da fibra revendo o sol, umidade liberada aos poucos, para se
impregnar da luminosidade de um dia
de verão. Há menção à água corrente, à densidade branca, ao cheiro de roupa
limpa, ao vento que levanta as folhas e um pouco de poeira, às recusas e
dúvidas que não liberam e à submissão feminina aos usos estabelecidos. Uma
lágrima corre enquanto ela fica ali, à sombra do abacateiro, imaginando mundos, triste como quem desistiu.
Submissa aos desassossegos. Sorri, limpa o rosto com a mão ao ouvir a voz do
filho que a chama da sacada, contente por vê-la ociosa no quintal e a faz lembrar que tinha roupa para lavar,
comida para fazer, meias para cerzir. E cicatrizes
que não suportaria emendas.
Na
primeira pessoa, a voz do conto “Não teve nada de mais”, a lembrar (ou
relembrar) o momento muito preciso de seu passado em que deixa um mundo para
trás e parte no caminhar torturado de
quem vai sem querer ir, ciente de que todos os mapas confirmam o norte como o
contrário da direção e com o qual inicia o relato: no dia em que eu fui
embora[...]. Um partir que a despedaça porque, se leva muito pouco (Da alma,
só uns pedaços, uns discos, as louças
da família, as toalhas bordadas em ponto cruz), menos, é o que deixa, embora deseje que dela fique um
perfume, uma sombra, algo de imóvel. Mas, o que, de fato, se faz presença é a
cerimônia da despedida – olhar pela última vez, silenciar porque não há mais
nada a dizer, tornar-se estranha ao cenário do qual fizera parte – num
desenrolar, à margem de qualquer circunstância ou sinal, a marcar o vazio que
impera nas ausências: nem um adeus
generoso, uma intenção de abraço,
nenhum titubear. Depois de cruzar a porta da rua, tampouco os vizinhos
acudiram ou houve um badalar de sinos, um uivar de cães, um soprar do vento. O
mar não se dividiu, o sol não se apagou. No dia em que fui embora a voz repete,
já agora acrescentando não teve nada de
mais a encerrar o relato que apenas sugere o talvez imprescindível valor da
promessa, da verdade perdida, da desesperança porque se esmaecem no ritual da
partida, feita de toques, de olhares, da mágoa em relação aos relógios que deviam silenciar em memória da vida que se
despedia também, da compreensão de que tudo vai tornando passado o que ainda não é.
Publicados
em Teresa, que esperava as uvas, esses dois contos, entre os que
testemunham o seu tempo a relatar a violência urbana, a solidão, a crueldade
que faz trincar os afetos, surpreendem um efêmero fragmento de vida. Como se um
antes ou um depois não importassem, o relato capta, num relance o sentir
momentâneo que pode advir de um olhar, de uma escolha. Nesses pequenos nadas,
Monique Revillion descobre a emoção que alimenta o seu texto. Ao perseguir o âmago dos personagens, sua alma,
suas percepções e sentimentos, a
maneira como esses personagens percebem os fatos, como diz, ela encontra muito
dessa humanidade presente em todos nós
e a expressa na sobriedade de uma linguagem onde ora irrompe a riqueza de um
símile, ora o inesperado da metáfora.
Premiada
no Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, com textos publicados em
antologias e revistas literárias, Monique Revillion reúne seus contos, pela
primeira vez, em livro publicado, neste ano, pela Geração Editorial de São
Paulo. Com sua bela capa que, em acorde com o título, se mostra no desenho de
um cacho de uvas, onde a figura de um peixe, de arabescos e de linhas em
espiral remetem a um ou outro conto e em que andorinhas, borboletas, abelhas
flores e folhas, representadas em azul, verde e lilás que se alternam em tons
mais ou menos suaves, inscrevem sonhos num mundo de realidades, Teresa, que
esperava as uvas inicia uma trajetória que dispensa trilhas conhecidas e
modelos outros.

Nenhum comentário:
Postar um comentário