domingo, 9 de abril de 2006

Coragem desvanecida no segredo


          Acaba de ser publicado pela Geração Editorial de São Paulo, A lei da Selva de Hugo Studart. Tem como sub-título “Estratégias, imaginário e discurso dos militares sobre a Guerrilha do Araguaia”, conteúdo que, é evidente, não pode prescindir da minuciosa, tanto quanto possível, narrativa dos fatos, acrescentando, completando, por vezes, o que já fora abordado em outras obras sobre o assunto, uma vez que houve possibilidade de acesso a documentos que não haviam sido, ainda, revelados e, sobretudo, ao testemunho de muitos daqueles que participaram do confronto. 
Embora o objetivo de Hugo Studart não tenha sido a reconstrução da história definitiva desse confronto, um levante armado de inspiração marxista que pretendia desencadear uma guerra popular revolucionária no Brasil, partindo do campo para a conquista das cidades, que não  deve ser fadado ao esquecimento, uma vez que a sociedade tem o direito de conhecer a sua própria história,  mas pesquisar e analisar o significado que teve para os militares que nele participaram e procurar conhecer-lhes os motivos, além daqueles óbvios da época, o combate à subversão comunista, a sua obra se amplia pelas informações que oferece: resultado de uma tarefa assaz difícil, pois ou documentos foram destruídos – teriam sido quase todos queimados em fins de 1974 – ou houve ordem superior de que não fosse propiciada ajuda às pesquisas pretendidas; ou, ainda, as informações obtidas e organizadas por militares foram lapidadas por eles, processo cujo intuito era confirmar informações, corrigir dados, retirar excessos [...], que levou à necessidade de pesquisas complementares para esclarecer lapsos e omissões por vezes irrelevantes, outras vezes propositais porque, muitas vezes, os militares decidiam que se tratava de assuntos sigilosos que razões de Estado levavam a ocultar. Razões de Estado que, ao longo do confronto, por meio de mentiras deliberadas e de violações de normas jurídicas, morais e políticas esconderam o que de fato acontecia na Floresta Amazônica, de 1972 a 1974, entre os guerrilheiros e as Forças Armadas, instituindo o império do oculto. Um império que não foi poderoso nem eficaz o suficiente para impedir que viessem à luz fatos ocorridos sob o signo da barbárie.

 A suspeita de que militares em ação contra a Guerrilha do Araguaia teriam permitido práticas de exceção como matar em lugar de prender, deixar cadáveres insepultos, torturar, executar sumariamente, mutilar mortos foi confirmado pelos depoimentos que Hugo Studart obteve junto a alguns militares, inclusive de alguns que foram escalados para os pelotões de execução de prisioneiros. Assim, por não possuir o pelotão máquina fotográfica, a fim de que fossem os mortos identificados pelos órgãos de inteligência, houve diversos casos de amputação de dedos, de mão ou da cabeça do guerrilheiro morto; os disparos que mataram a guerrilheira ferida; o encarceramento de moradores da região, suspeitos de ajudar os guerrilheiros, que foram colocados em valas, encimadas por uma grade de ferro, ficando, portanto, à mercê do sol e da chuva além de serem submetidos à pressão psicológica e aos maus tratos; a ausência de informe sobre os últimos guerrilheiros, cujo destino ficou ignorado; os cuidados na execução dos prisioneiros, visando preservar o segredo da ação; a obediência às ordens de matar, mesmo quando se tornava evidente a não periculosidade do prisioneiro.

            No trabalho de busca de documentos ou de relatos, houve militares que se propuseram, não somente, a dar o seu testemunho a Hugo Studart como a ajudar na busca de documentos. Outros, à medida que a pesquisa avançava, descobrindo detalhes sobre os atos de exceção no Araguaia, recuavam e deixavam de colaborar. Muitos não queriam que se tornasse conhecida a prática de execução de prisioneiros ou as circunstâncias em que ocorreram as mortes de guerrilheiros ou a existência de pelotões de extermínio. No entanto, quase todos, uns mais outros menos, embora dispostos a contar o que sabiam, insistiram para que seus nomes e os codinomes que usaram para se ocultar não fossem mencionados.

 

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