Acaba
de ser publicado pela Geração Editorial de São Paulo, A lei da Selva de
Hugo Studart. Tem como sub-título “Estratégias, imaginário e discurso dos
militares sobre a Guerrilha do Araguaia”, conteúdo que, é evidente, não pode
prescindir da minuciosa, tanto quanto possível, narrativa dos fatos,
acrescentando, completando, por vezes, o que já fora abordado em outras obras
sobre o assunto, uma vez que houve possibilidade de acesso a documentos que não
haviam sido, ainda, revelados e, sobretudo, ao testemunho de muitos daqueles
que participaram do confronto.
Embora o
objetivo de Hugo Studart não tenha sido a reconstrução da história definitiva desse
confronto, um levante armado de
inspiração marxista que pretendia desencadear uma guerra popular revolucionária
no Brasil, partindo do campo para a conquista
das cidades, que não deve ser fadado
ao esquecimento, uma vez que a sociedade tem o direito de conhecer a sua
própria história, mas pesquisar e
analisar o significado que teve para os militares que nele participaram e
procurar conhecer-lhes os motivos, além daqueles óbvios da época, o combate à
subversão comunista, a sua obra se amplia pelas informações que oferece:
resultado de uma tarefa assaz difícil, pois ou documentos foram destruídos – teriam sido quase todos queimados em fins de
1974 – ou houve ordem superior de que não fosse propiciada ajuda às
pesquisas pretendidas; ou, ainda, as informações obtidas e organizadas por
militares foram lapidadas por eles,
processo cujo intuito era confirmar
informações, corrigir dados, retirar excessos [...], que levou à
necessidade de pesquisas complementares para esclarecer lapsos e omissões por
vezes irrelevantes, outras vezes propositais porque, muitas vezes, os militares
decidiam que se tratava de assuntos sigilosos que razões de Estado levavam a ocultar. Razões de Estado que, ao longo
do confronto, por meio de mentiras
deliberadas e de violações de normas
jurídicas, morais e políticas esconderam o que de fato acontecia na
Floresta Amazônica, de 1972 a 1974, entre os guerrilheiros e as Forças Armadas,
instituindo o império do oculto. Um
império que não foi poderoso nem eficaz o suficiente para impedir que viessem à
luz fatos ocorridos sob o signo da barbárie.
A suspeita de que militares em ação contra a
Guerrilha do Araguaia teriam permitido práticas
de exceção como matar em lugar de prender, deixar cadáveres insepultos, torturar,
executar sumariamente, mutilar mortos foi confirmado pelos depoimentos que Hugo
Studart obteve junto a alguns militares, inclusive de alguns que foram
escalados para os pelotões de execução de prisioneiros. Assim, por não possuir
o pelotão máquina fotográfica, a fim de que fossem os mortos identificados
pelos órgãos de inteligência, houve diversos casos de amputação de dedos, de
mão ou da cabeça do guerrilheiro morto; os disparos que mataram a guerrilheira
ferida; o encarceramento de moradores da região, suspeitos de ajudar os
guerrilheiros, que foram colocados em valas, encimadas por uma grade de ferro,
ficando, portanto, à mercê do sol e da chuva além de serem submetidos à pressão
psicológica e aos maus tratos; a ausência de informe sobre os últimos
guerrilheiros, cujo destino ficou ignorado; os cuidados na execução dos
prisioneiros, visando preservar o segredo da ação; a obediência às ordens de
matar, mesmo quando se tornava evidente a não periculosidade do prisioneiro.
No
trabalho de busca de documentos ou de relatos, houve militares que se
propuseram, não somente, a dar o seu testemunho a Hugo Studart como a ajudar na
busca de documentos. Outros, à medida que a pesquisa avançava, descobrindo
detalhes sobre os atos de exceção no Araguaia, recuavam e deixavam de
colaborar. Muitos não queriam que se tornasse conhecida a prática de execução
de prisioneiros ou as circunstâncias em que ocorreram as mortes de
guerrilheiros ou a existência de pelotões de extermínio. No entanto, quase
todos, uns mais outros menos, embora dispostos a contar o que sabiam,
insistiram para que seus nomes e os codinomes que usaram para se ocultar não
fossem mencionados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário