Há vinte e
cinco anos atrás, em abril, lançado com imenso aparato publicitário a anteceder
sua aparição, Crónica de una muerte anunciada rompia o silêncio de
Gabriel García Márquez, com tiragens surpreendentes: mais de dois milhões de
exemplares na Colômbia, pela La Oveja Negra, além daqueles publicados pela
Sudamericana da Argentina, Bruguera da Espanha e Diana do México.
Caso
raro entre os romancistas do Continente, ter assinado mais do que uma
obra-prima, neste breve romance, Gabriel García Márquez alcançará, como definiu
o seu muito cuidadoso e detalhista biógrafo, Dasso Saldívar, a suave e tranqüila perfeição. Relato
harmonioso no qual personagens se esboçam em definitivas poucas frases e em
admirável sintonia com a atmosfera de coscuvilhice que domina a pequena cidade
e a faz responsável pelo crime que, submissos aos códigos de honra, os irmãos
Viriato iriam cometer. Para vingar a irmã, em cuja confissão acreditaram quando
foi levada a declinar o nome do homem que a havia desonrado, sem,
verdadeiramente o querer, assumem o fado de acabar a golpes de punhal com
aquele de quem haviam sido amigos e sem que houvesse alguém – cada um com suas
razões – para impedi-lo.
Encerrada entre as
cinco e meia e sete e cinco, da manhã, em que foi retalhado como um porco,
a narrativa flui lenta, em espirais, alternando o presente da ação com vários
níveis do passado, justapondo asserções que se negam como convém aquela que dá
conta do que aconteceu num passado distante. Vinte e sete é o tempo
contabilizado pelo narrador ao mencionar a evocação de Santiago Nasar, ainda
com vida, pela mãe, naquela segunda feira
ingrata. E que, na verdade, é quase o tempo que passou entre o acontecido e
o seu transformar-se em obra de ficção.
Crónica
de una muerte anunciada foi publicado trinta anos depois da morte de
Cayetano Gentile Chimento, ocorrida no dia 22 de janeiro de 1951. Era um
estudante de medicina, vivia em Sucre e era amigo de Gabriel Gárcia Márquez. O
escritor já morava em Barranquilla e, usando o pseudônimo de Séptimos, assinava
a coluna “La Jirafa” no jornal El Heraldo. Ao saber da morte do amigo pensou
viajar a Sucre e reconstituir o crime para uma reportagem que nunca chegou a
ser feita. Sua mãe, descobrindo suas intenções, lhe pediu que nada escrevesse
enquanto a mãe do moço assassinado, que era sua comadre, estivesse viva. Em Vivir
para contarla, Gabriel García Márquez lembra que nenhum argumento a
convenceu do contrário e que ele achou
uma falta de respeito escrever sem a
sua permissão. Um compromisso do qual somente foi libertado quando ela
mesma lhe telefonou para Barcelona, onde então morava, para dar a infausta notícia da morte de sua amiga.
Dois anos depois, Crónica de una muerte anunciada estava publicada, mas
ela não quis ler o que o filho escrevera, convicta de que uma coisa que saiu tão mal na vida não pode sair bem num livro. No entanto, o que acontecera
– perseguido pelos dois irmãos, Cayetano Gentile Chimento procurou refúgio na
sua casa onde a mãe, certa de que já estivesse no quarto, trancou a porta
da rua, deixando-o à mercê dos golpes que o mataram – além da tristeza que
sentiu, o fez entender o crime como uma tragédia de responsabilidade coletiva: não somente Margarita Chica Salas, a
moça que nomeara o responsável pela sua honra, embora ninguém ignorasse que tal
honra não fosse tão intocada, não era a única culpada pela morte, mas a cidade
inteira. Um tema que o irá acompanhar por muito tempo – não se passava um dia
em que não tivesse desejos de escrever sobre ele – até que um dia, no aeroporto
de Argel, quando a porta de saída se abriu e deixou passar um príncipe árabe,
levando no punho um falcão amestrado, lembrou-se de seu amigo Cayetano Gentile
que aprendera de seu pai a arte de altanaria. A partir de então, percebeu que
não teria paz enquanto não lhe escrevesse a história. Seguiu o sinuoso caminho
das lembranças, aceitou fatos e imagens que as circunstâncias de vida lhe
ofereceram, entrelaçou o trágico e o burlesco ao retratar os humanos e,
contradizendo o prognóstico materno, escreveu um de seus livros mais fascinantes.
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