domingo, 29 de janeiro de 2006

Discursos didáticos na ficção


             Em 1894, foi publicado em Montevidéu, Beba, primeiro romance de Carlos Reyles. Tinha ele vinte e seis anos e herdara vastas propriedades rurais às quais tentou se dedicar, cumprindo o que prometera ao pai: continuar o aperfeiçoamento dos rebanhos pelo uso de técnicas modernas de reprodução. Sem abandonar os imperativos de sua vocação intelectual, logra estabelecer um vínculo em que se integram o estancieiro e o literato e o resultado é esse romance em que muitos capítulos referem, minuciosamente, às atividades relacionadas com os cruzamentos do gado, os registros dos progressos alcançados, as melhorias efetuadas nos seus estabelecimentos rurais.
 
            Um século e dois anos depois, num romance brasileiro, aparece o testemunho de que essa modernização, apregoada por Carlos Reyles que, na verdade, não fora aceita no Uruguai, pese a sua vocação pastoril, apesar do tempo transcorrido, tampouco chegara aos campos do sul. Orual Soria Machado, em seu romance, Os náufragos da terra (Porto Alegre, Mercado Aberto, 1996), dizem os editores, resgata para a ficção o drama dos sem-terra. E o faz no relato de sua chegada, centenas de pés nus ou mal calçados, ao município até o momento em que se inicia a ação para desalojá-los. Nas descrições e nos diálogos, muito claras as imagens dos mundos que se opõem – o luxo supérfluo do palácio episcopal, o conforto de uma casa rica, a degradação dos prédios do governo,  a precariedade reinando no acampamento dos sem-terra – completados por figuras, cujos perfis são traçados a partir de gestos: o funcionário público escarrapachado num sofá lateral, limpava as unhas com um canivete; na visita do prefeito ao bispo, um leve simulacro de beijo no anel episcopal; no clube manoplas manejavam cartas com uma destreza já amortecida pela hora ou pela bebida, diante da fome dos filhos os sem-terra passavam ansiosos a mão nos cabelos, pitavam intermináveis cigarros raquíticos, cismavam. Nos diálogos, insistente, o assunto é a imprevista e indesejada presença dos sem-terra. Expõem-se razões, feitas de repúdio e ameaças; tentam-se defesas e, então, as palavras não parecem cair em terreno fértil; ou, evidencia-se a hipocrisia dos mandantes que se subtraem às decisões e adiam soluções. Um emaranhado de argumentos que, nas vozes do prefeito, do presidente da União Ruralista, do agrônomo subordinado ao Instituo de Pesquisas Agropecuárias, do bispo, do padre que acompanha os sem-terra, dos seus representantes expressam os conflitos decorrentes do embate opondo os que possuem (qualquer ameaça às propriedades rurais seria rechaçada com vigor) e os que precisam possuir (-Somos colonos procurando conseguir um pedaço de terra como vocês têm. Se a propriedade é coisa boa, nós queremos também uma para nós). Entre eles, os mediadores, aparentemente solidários (Fiquem tranqüilos, mantenham a ordem e logo chegará auxílio) quando, apenas fazem parte do jogo de inútil retórica e permanecem, sobretudo, alheios diante do que ocorre (-Seu prefeito, já tem gente passando fome). E, também aqueles que, impotentes, se dão conta dos absurdos que alimentam a inaceitável desigualdade social (Que se estava fazendo neste país para aparecerem chagas sociais tão extensas) ou que, lúcidos, percebem os descaminhos administrativos do governo e a ignorância dos proprietários rurais, tanto na lavoura como na criação de gado a impedir resultados positivos. Assim, o gado, com as coxilhas crestadas pela geada, mal se rebuscava de alguma sobre de pasto ou forrageira resistente nas canhadas. Os proprietários não se preocupavam com ele, atribuindo a Deus ou simplesmente ao tempo, a ferocidade de um ano ruim. Poucos conheciam as técnicas modernas de pastoreio ou de ensilagem para os meses de inverno ou se preocupavam com a fertilidade do rebanho. Uma ignorância malsã ou uma acomodação perniciosa, já constatada por Calos Reyles, cuja conseqüência não se restringe ao prejuízo sofrido pelos donos das terras. Porque assim como as terras improdutivas, as carcaças de gado morto pontilhando os campos deixam de alimentar milhares de bocas neste país.

domingo, 22 de janeiro de 2006

A fogueira


            Ao contar em Primeiro de abril: narrativas da cadeia a sua experiência como preso político em 1964, Salim Miguel entrelaça o tempo e as vozes do relato, recursos que remetem ao ficcionista que ele é, autor de romances (Rede, A voz submersa, A vida breve de Sezefredo das Neves) e de contos (Velhice e outros contos, Alguma gente, O primeiro gosto, A morte do tenente e outras mortes, As areias do tempo). Como o subtítulo deste seu livro, publicado pela José Olympio em 1994, o indica, trata-se de uma obra feita de textos unidos por um fio condutor, mas que podem ser independentes entre si: são dezesseis capítulos ou módulos autônomos como os define Moacir Wernek de Castro. Relatam a sua prisão no dia primeiro de abril de 1964,  o seu cotidiano na cadeia, o interrogatório a que foi submetido e o que ocorreu quando foi posto em liberdade: a alegria de sair da cadeia, a constatação de que existem vários tipos de liberdade.Três desses capítulos descrevem os tipos com os quais conviveu no alojamento em que ficaram confinados . 

            Um depoimento sobre o que foi apenas o incipiente começo das práticas que iriam ocorrer depois: interrogatórios baseados na tortura, violências, desaparecimentos, mortes. Porque Salim Miguel permaneceu na cadeia quarenta e oito dias. Em relação a outros presos políticos do período ditatorial, foi uma pena leve o que não significa terem se constituído, para o indivíduo que nenhuma infração havia cometido a não ser a de possuir idéias próprias, um castigo injusto e inaceitável: ser privado da liberdade sem culpa formada e por elementos que não sabiam exatamente o porquê do que estavam fazendo e comandados por outros que tampouco possuíam  condições de mensurar seus próprios atos e agiam sob o impulso da obediência cega e servil, não tendo como justificativas mais do que uns gastos chavões.

            Um dos capítulos tem por título “A fogueira” e trata não de uma fogueira qualquer mas da que foi alimentada por livros considerados grandes inimigos do sistema, uma vez que seus esbirros eram incapazes de discernir conteúdos e muito menos de aceitar que pudessem existir formas diferentes de pensar que não a deles, calcadas somente em algumas poucas frases.

            Quando os livros foram queimados, a notícia se espalhou por ouvir dizer e, talvez, nem tenha sido veiculada pelos meios de comunicação. Assim, o testemunho de Salim Miguel sobre o espetáculo insano e macabro, ainda que tenham se passado quatro décadas, é estarrecedor. A Livraria Anita Garibaldi, situada no centro de Florianópolis, que havia sido de sua propriedade, foi arrombada, centenas de livros jogados na rua e queimados. Confundindo-se no fogo que os consumia, O capital de Karl Max, A capital de Eça de Queirós, O vermelho e o negro de Stendhal e Seara Vermelha de Jorge Amado, Memórias do cárcere de Graciliano Ramos, O príncipe de Maquiavel, Pinocchio de Collodi, O livro dos médiuns de Allan Kardec, Pintura quase sempre de Sérgio Millie. As palavras de ordem comandam, provocam, açulam, buscam incentivar [..] a que mais livros sejam trazidos, jogados no fogo pois nenhum deles deve sobrar.

Salim Miguel, preso, não soube de que maneira começara o fogo, nem o tempo que havia durado, consumindo as obras mais diversas. Atraídos pelas chamas e pela fumaça e palavras de ordem, o número de curiosos aumenta. Uns, sem entender, se mostram indiferentes diante das chamas; outros, indignados, sentem-se impotentes; poucos, esboçam um gesto de repulsa. De inegável, apenas, o momento de trevas, buscando estabelecer o fim da liberdade de expressão e do direito de escolha.E a notícia do crime, retransmitida de boca em boca, em meio ao terror, de vento em vento levada para longe.

            No cenário, ficaram as cinzas. E a pergunta, pertinente, imprescindível: Será mesmo que os infelizes acreditavam que a força do fogo seria suficiente para extirpar a força das idéias?

domingo, 15 de janeiro de 2006

O jardim

    
        No dizer dos editores, a tela de fundo sobre a qual se constrói a obra de Serge Elmalan, Nicolas de Villegagnon ou L‘Utopie tropicale (Favre, Lausanne, 2002) é constituída pelos três grandes temas dominantes da Renascença: o cisma religioso, as grandes descobertas marítimas e o antagonismo entre os Valois e os Habsbourgs. Como o título o indica, Nicolas de Villegagnon, personagem fascinante, é o fio condutor dessa aventura que foi a França Antártica e que se inscreve entre outubro de 1555 e janeiro de 1568. Quarenta capítulos compõem o relato, feito de muitos, exaustivos e intermináveis diálogos sobre as questões políticas e religiosas que envolviam a França com seus aliados e opositores. Entre eles, vinte e dois tem por assunto o Brasil: a cidade de Henriville e o Forte Coligny, criados para assegurar a presença francesa no Brasil. E é pelo olhar de Nicolas de Villegagnon e de seus pares que o país irá se mostrar, delineado em traços de sua paisagem, na presença de seus animais ou em algum perfil indígena. São formas arredondadas de montanhas distantes, extensões de areias litorâneas; são ruídos de uma orquestra invisível, feita de milhares de gorjeios diferentes, são os odores das folhas e dos troncos, os movimentos dos pássaros: papagaios coloridos, tucanos de gritos estridentes, pegas de extraordinários pescoços alaranjados, pombas com o bico escuro. São as pegadas deixadas pelos animais nas areias do rio: as do jaguar, sensuais e como marcas de gato; da anta, largas e com três dedos; os curiosos pés da capivara. Destacados, dois indígenas que não se indispõem contra a presença estranha. Mahire, o jovem índio que serve de guia a Nicolas de Villegagnon e sua gente quando se adentram nas florestas: um índio corajoso e de toda a confiança que surpreende pelas relações que mantém com a natureza e sua maneira de imitar o canto dos pássaros, o grito de certos animais, de ler os sinais que pareciam escritos claramente para ele nesse intrincado universo de verdor. E Cunhambembe, o de curioso nome, chefe dos Tupinambás, mostrado no adorno de suas grandes plumas antes de serem anunciadas as suas qualidades de personagem vigoroso, cheio de astúcias, capaz de falar durante horas e de expressar uma rara sabedoria: que os gestos mais humildes da vida podem ter a mesma graça insinuante que as atividades superiores. Reina numa região imensa e misteriosa que lhe aceita as múltiplas atribuições: prever o futuro, interpretar os presságios, impedir os elementos de prejudicar os homens, atrair a caça, repartir a força mágica para aqueles que tivessem necessidade, organizar as cerimônias e as danças. Villegagnon se felicita de tê-lo como aliado. E o frade Thévet guarda a esperança de convertê-lo. Porque, embora houvesse cordialidade no trato, esses franceses, chegados no Novo Mundo, traziam os projetos bem claros e definidos para tomar a terra e nela estabelecer um comércio, baseado na extração das riquezas e não se privam de querer impor suas verdades, tentando estabelecer o traje para esconder a nudez, procurando provar a excelência de seu deus.
            Assim, ainda que os marinheiros que haviam sido abandonados no litoral para aprenderem a língua dos índios ou os desertores que Nicolas Villegagnon encontrou ao chegar, tenham aceitado o ardor do clima e a sensualidade tropical, e, anarquistas insubmissos aos entraves sociais, abandonado os velhos princípios europeus que, para eles, não possuíam mais valor, guardaram algo da velha Europa. Montavam comércios lucrativos, provocavam naufrágios de barcos ou os capturavam com uma insolência de piratas. Com eles, diz Serge Elmalan, nascia o Novo Mundo. Mas, entre eles houve os que, à beira mar, conduzidos pela saudade, fizeram um jardim civilizado  a oferecer em meio à natureza selvagem e exuberante, o contraste de uma superfície estranhamente arrumada em maciços de flores e labirintos intrincados de um verde cortado com rigor.

             

domingo, 8 de janeiro de 2006

A noite perpétua

            Em outubro de 1948, na sua trajetória de jornalista recém-iniciada, Gabriel García Márquez, ao escrever sobre Uma heroína de papel de Rafael Marriaga, (comentário que faz parte de Textos Costeños), se refere à época em que se passa, no seu país, a ação do romance: a dramática realidade de um mundo torturado, mordido pela fome e rebeldia, condenado à noite perpétua de um regime retardatário [...]. O seu texto, escrito há mais de cinqüenta anos e se reportando ao tempo da Colônia, parece, no entanto, ter origem nos dias atuais e relação com todos os países do Continente. Porque, se no Continente, houve a época terrível das ditaduras, fixada por alguns escritores latino-americanos, o advento das assim chamadas democracias, além do simulacro de liberdade, constituído pelo jogo eleitoral, não resultou em benefício para a maioria de seus habitantes. E tudo continuou sendo – apenas mascarado pela tentativa de acenar com esperanças – o que sempre foi.
 

            Assim, Gabriel García Márquez jamais deixou de dardejar suas farpas sobre os políticos de seu país o que vale dizer – ressalvadas as sempre raras exceções –  sobre qualquer político de qualquer país latino-americano. O relato que faz sobre as fórmulas de circo, isto é o desvario da campanha eleitoral de um senador, no conto “Muerte constante más allá del amor”, mais do que uma grande troça é um testemunho. Parte do livro La increíble y triste historia de la cándida Eréndira y de su abuela desalmada, publicado em 1972, como o indica o título é uma história de amor. O amor de Onésimo Sánchez por Laura Farina. Tinha ela dezoito anos e ao vê-la com os cabelos enfeitados por laços coloridos, ficou sem fôlego, pois, ainda que vestida com uma bata gasta e barata, era possível supor que não havia outra mais bela no mundo.

            Onésimo Sánchez era senador e fora, mais uma vez, como sempre, a cada quatro anos, em campanha eleitoral a Rosal del Virrey. Um povoado onde à noite atracavam os barcos dos contrabandistas e que à luz do dia se mostrava como “o canto mais inútil do deserto, diante de um mar árido e sem rumo. Pela manhã, antes dele, haviam chegado os furgões para a encenação que se seguiria e, logo, os caminhões com os índios de aluguel que eram levados pelos povoados para completar a assistência dos comícios. Mais tarde, em meio à músicas e a foguetes, ele chegou no carro do ministério que tinha ar condicionado e cor de refresco de morango. Depois de descansar, voltou a aparecer em público e, da tribuna, recitou o discurso que sabia de cor e que já fora, tantas vezes, repisado. Começou dizendo que estavam ali reunidos para derrotar a natureza e que não mais seriam os enjeitados da pátria, os órfãos no reino da sede e da intempérie [...], para prometer grandeza e felicidade. Enquanto isso, seus ajudantes jogavam para o alto passarinhos de papel, tiravam dos furgões umas árvores de teatro com folhas de feltro e as semeavam atrás da multidão no solo de salitre e armavam uma fachada de papelão onde casas de tijolo vermelho com janelas de vidro se desenhavam para esconder os ranchos miseráveis da vida real.

            Para dar tempo de que tal cenário fosse armado, o senador prolongou o seu discurso com citações em latim e com mais promessas estéreis e tão fantasiosas como o seu mundo inventado que mostrou, com o dedo para os que o escutavam. Somente ele se deu conta de que de tanto ser montado e desmontado, o seu mundo de ficção já era quase tão pobre e empoeirado e triste como o Rosal del Virrey. Qualquer um que  o desejasse poderia ver o reverso da farsa: as escoras dos edifícios, as armações das árvores. Porém, poucos os que estariam entre os principais da cidade para escutar, entre quatro paredes, suas palavras: Os senhores e eu sabemos que no dia em que existam flores e árvores neste covil de bodes [...] nem os senhores nem eu teremos nada para fazer aqui.[...] Então não preciso repetir o que já sabemos de sobra: que a minha reeleição é melhor negócio para os senhores do que para mim porque eu estou até aqui de águas podres e suor de índios e, ao contrário, os senhores vivem disso.

domingo, 1 de janeiro de 2006

As escolhas do mestre


Em fevereiro de 1981, a Bruguera de Barcelona publicou Textos Costeños, primeiro volume da obra jornalística de Gabriel García Márquez, escrita entre o início de 1948 e o final de 1952. Três de seus contos já haviam saído no suplemento literário de El Espectador de Bogotá e ele cursava o segundo ano de Direito quando a Universidade de Bogotá foi fechada devido aos motins do dia 9 de abril de 1948. Foi, então para Cartagena no intuito de continuar o seu curso. O  encontro casual com o médico e escritor Manuel Zapata Olivella o levou até  a sede de El Universal, periódico recém fundado. Embora estivesse convencido de que o jornalismo não era a sua vocação, a teimosia do amigo, argumentando que Literatura e Jornalismo acabam por ser a mesma coisa, o fato de ser apresentado ao Chefe de Redação e, ainda, a nota publicada, anunciando-o como um colaborador que imperativos sentimentais haviam feito retornar à Costa Atlântica, de onde era oriundo,  o fizeram aceitar a tarefa. Então, a partir do dia seguinte, 21 de maio de 1948, até meados de novembro de 1949, seus textos, identificados pelas iniciais ou pelo nome completo, foram publicados sob a rubrica “Punto y aparte”, na quarta página do jornal. 

            No total, foram cento e trinta e oito artigos. Têm por assunto ou algum irrelevante fato do dia, como o nascimento de gêmeos na cidade, o cessar do toque de recolher, um espantalho caído, a presença dos helicópteros nos céus do país; ou breves perfis de tipos humanos que encontra: o homem com a cicatriz no rosto, o liberal morto pela polícia, os boxeadores,  o toureiro, o domador de leões. Também, comentários sobre poetas e romancistas, sobre cinema, sobre o tempo marcado pelo calendário, sobre o amor, a morte, a paz. 

            No primeiro artigo publicado, qualifica o silêncio imposto pelo toque de recolher na cidade de longo silêncio duro, concreto e grande, pesado, inexpressivo e se contrapondo ao bom silêncio elementar das coisas menores, descomplicado: esse silêncio natural e espontâneo carregado de segredos que passeia pelas sacadas. Maior, porém, que no acúmulo do adjetivo, é em relação a outros elementos da frase que se mostra a sua expressividade. Assim, também nesse artigo, se referindo ao som de clarinete que determinava o toque de recolher diz que ele se adiantava ao novo dia como outro galo grande, enganado e absurdo que tinha perdido a noção de seu tempo. Tais seqüências revelam, certamente, mais o literato do que o aprendiz de jornalista. No seu livro de memórias irá lembrar que esse texto fôra o relato subjetivo de um episódio pessoal e sem pretensão de ser um comentário jornalístico. No entanto, seja porque se ouviu a si mesmo, seja porque escutou de terceiros, no seu sexto artigo, irá falar de um novo, inteligente e estranho personagem que se incorporara à mesa de redação. Não lhe cita o nome e o descreve nos gestos senhoriais e nas palavras usadas em defesa do idioma e faz constar que a  caricatura que dele fez Hector Rojas Herazo, ficou pendurada num prego. E que, então, desse pedaço de papel ele sai para espiar por cima do ombro de quem escreve, no intuito de estabelecer a mais implacável campanha purificadora. E que, para ele, Gabriel García Márquez, diz que nunca aprenderá a escrever, aconselhando: Pare de bobagens e diga coisas que tenham substância. É preciso iniciar uma campanha contra a frondosidade lírica, eliminar essa adjetivação de duas por centavo. Um verdadeiro trabalho de sanidade literária. Conselho que, dado por um personagem real ou inventado, não foi, no entanto, muito levado a sério. Os adjetivos continuaram, como que imprescindíveis (restringindo, explicando, qualificando) a pontilhar seus textos embora, raramente, se mostrando na perfeição dos verdadeiros achados estilísticos.