Se
abundante é o uso das aspas e das palavras em itálico a marcar ironias, a
indicar a visão dos personagens sobre o que lhes acontece, a significar, a
respeito de algum objeto, uma função diferente daquela que lhe é própria ou de
frases entre parênteses a explicar sentimentos ou idéias, a completar dados ou,
ainda, o reiterado emprego do pleonasmo, embora em menor número, neste texto do
escritor gaúcho, os símiles não são menos expressivos. Muitas poucas vezes,
eles se constroem com as expressões semelhante,
qual e parecer. Na sua grande totalidade – mais de cinqüenta – são
introduzidos pela partícula comparativa como
e se relacionam com circunstâncias do relato e com os personagens. Assim, se
referem ao cenário: O campo ao redor do
“estabelecimento” é raso como uma tábua;
às árvores, de copa pequena, troncos
grossos, retorcidos como forjados
entre tenazes, laboriosamente. Outros, a certo momento do dia, um
entardecer que se define por esse halo, cujo lilás desmaiado abraça o horizonte, como num vasto anel; às
nuvens que se cruzam rápidas, como
tocadas por esses ventos frios de inverno. Ou à areia, elemento dominante
de uma paisagem desértica que se
estende, como uma fita enrugada, amarrotada (dos cômoros), perto do mar,
de norte a sul por muitas léguas. Uma areia que entra pela fresta da casa,
pousa na comida, nos talheres, na louça, nos copos e no fundo das xícaras, como um açúcar mal dissolvido. Que é levantada pelo vento como uma praga daninha, como uma praga assola a região com seu vôo, e, lançada no ar pela brisa é como um borrifo seco. Areias móveis, tênues e finas que envolvem os homens, soterram a vegetação e quase
fazem desaparecer o povoado junto ao mar. Soprando dos cômoros, parecem assim fumegar, como se estivessem ardendo
num fogo sem combustão.
E,
assim, muitos símiles esboçam o Borboleta, pequeno caminhão em que os
três moços viajavam nesse passeio que desejavam breve e foi prolongado à
revelia de todos, devido a problemas no seu motor. Estático, visto de longe,
sob os eucaliptos, quando voltavam da
praia, se mostrava inclinado para um dos
lados, como essas velhas diligências que os solavancos e a desigualdade das
cargas a suportar, acabavam por tirar de sua posição simétrica de equilíbrio, e
que assumiam assim um caráter mais degradado, mas também mais íntimo.
Rodando pela estrada, no amanhecer, sua sombra, tornada fantasticamente aguda como uma lança, avança rapidamente à sua
frente, como se fosse ferir alguém que estivesse lá adiante, longe. Mas,
principalmente, revelam as comparações o que
esse pequeno caminhão significa para os seus ocupantes. Conferindo-lhes traços que soem ser dos humanos, eles o
percebem mudo e enigmático, como um ídolo, familiar e dócil como um animal
doméstico, fiel como um bicho, à espera, como um ser vivo, paciente,
enquanto opinam sobre ele.
Então,
quando presente nas seqüências descritivas, o símil, neste romance de Dyonélio
Machado, busca precisar formas e movimentos. Também, na relação entre os viajantes e o Borboleta – um
personagem mais do que um ser inanimado – evidenciar os liames não enunciados.
E é no uso de um recurso básico da linguagem – desta forma
é considerada a comparação pelos teóricos – que Dyonélio Machado demonstra não
apenas uma escolha pelo despojamento
estilístico mas, como disse Guilhermino César, saber amassar o seu barro com estilo próprio, inconfundível.
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