Luiz, Leo e
Maneco Manivela saem de Porto Alegre, numa sexta feira, para um curto passeio
até a praia. Na volta, devem parar em Águas Claras devido a um grave defeito no
pequeno caminhão em que viajavam. Encontros ocasionais se sucedem no hotel onde
se hospedam até encontrar a solução para o conserto, fazem crer a Manco
Manivela que é perseguido pela polícia política. Sem comentar com ninguém as
suas preocupações, ele vai se deixando dominar pelo medo. Sinuoso, o relato,
mais do que as aventuras dos amigos na pequena viagem empreendida, se constitui
de sua aventura interior. É a partir dela que Maneco Manivela irá se revelando
em Desolação, romance de Dyonélio Machado, publicado em 1944 e, neste
ano, em nova edição da Planeta do Brasil.
Presa
fácil de sustos, receios, angústias que a sua imaginação incrementa e que se
traduzem, por vezes, em sensações físicas, por algum momento, procura dormir,
descansar, espichar as pernas e dobrá-las como
um polvo espreguiçando-se ou, num relaxamento repentino, sentar-se
inclinado para a frente, com as pernas afastadas, as mãos unidas, os seus
braços, a pender entre os joelhos que se mostram como dois ramos dum compasso de espessura. Quase sempre, se deixa
dominar por um medo súbito como uma
emboscada, por um desgosto intenso
dolorido, como uma ferida sobre o peito;
ou se abisma numa apreensão, como se
afundasse lentamente no atoladouro; embaralha suas idéias como se uma coisa qualquer caísse sobre um
bando de aves e as assustasse e dispersasse.
Percebe
que as tensões lhe enchem os músculos
como o vapor enche uma caldeira e que a inquietação os faz vibrar como se houvesse encostado o corpo num motor
em pleno movimento. Diante de uma situação, que presume perigosa, sente como que umas picadas de fogo a
queimar-lhe o couro cabeludo e os ossos do crânio. Quando imagina que irão
invadir o seu quarto, se apossar de sua pessoa e arrastá-lo, o coração como que perde o ritmo natural, um ritmo
tão regular como o trabalho do cilindro num motor.
Como
faz do símil um elemento expressivo e determinante para marcar a figura plena
de nuanças de Maneco Manivela, o romancista gaúcho, igualmente, o emprega para
assinalar gestos, comportamentos de um personagem/figurante do qual nada mais
ou pouco mais é mencionado. O empregado do hotel, ao ser chamado, vai atender como acionado por uma mola. Leo, quando
carrega a lata de gasolina e a entrega para Maneco Manivela, faz um movimento como que desenrola alguma coisa. E, ao caminhar pelos cômoros, seus pés
afundam como quem vai sendo aos poucos engolido por um sumidouro e ao deixá-los para trás, neles ficam
impressas suas pegadas fundas como o
rasto dum animal do deserto. O solicitador, cujo interesse pelo pequeno
caminhão o leva a permitir que seja guardado no pátio de sua casa , quando o
estão levando para lá, vai na frente como
um guri entusiasmado, alerta. O chofer do Studebaker que encontram na estrada
e lhes vende um pouco de gasolina, atenta para o pequeno caminhão, acha graça e
vai lhe passando a mão “como se faz com um animal de montaria.
Síntese perfeita a delinear Bagé, o elemento provocador (aquele que incita a
confidências ou opiniões politicamente comprometedoras, a serviço da
repressão), a seqüência que relata como, após contar na pequena roda, na qual
se introduzira, suas peripécias revolucionárias, ele vai embora como veio espiando-se, guinando para um e outro lado,
como quem percorre um labirinto invisível, por fim esgueirando-se por uma das
portas.
Considerado
um escritor em que, no ideário do
conjunto discursivo está o realismo, Dyonélio Machado, ao usar o símil em
que o segundo elemento, o termo ideal
é constituído, quase sempre, de objetos concretos ou de sensações reais, para
dizer de seus personagens, como se não procurasse efeitos estéticos, mas,
sobretudo, demonstrar ou explicar em busca da precisão.
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