
Mestre da narrativa curta, La canción de
nosotros é uma exceção entre os seus textos. Romance, panfleto, testemunho
ou documento histórico – desnecessário dar-lhe um rótulo pois seu autor não
desejou fazê-lo e, certamente, não faltarão teóricos que disso se ocupem – mais
pertinente é se ater a seus temas ou a
seu tema central. Obra escrita num momento cruciante para os países
latino-americanos, está em uníssono com uma grande parte da sua ficção, quando
descreve caricaturalmente o opressor (Gabriel García Márquez, Alejo Carpentier,
Augusto Roa Bastos) e, tragicamente, o oprimido (José Maria Arguedas,, Manuel
Scorza, Carlos Fuentes, Miguel Angel Asturias).
O
livro, dedicado a Montevidéu, se inicia com um poema e se constrói, sobretudo,
a partir de dois destinos: Marino e Ganapán. Entre eles, Fierro. Não mais o de
José Hernández porque esse levantou a sua voz, mas um Fierro cuja opção
política só o pode aniquilar, por irreversível e porque a repressão dificilmente
abre mão de sua presa. Ao redor dos três, os famintos, os marginais, os
desempregados. E, dominando a cidade nos seus habitantes, “a máquina”: retrato
fiel (e/ou melhorado) ou simples herança daquela que dominou a América Latina
no século XVI e seguintes e de cujos feitos Eduardo Galeano extraiu a matéria
dos capítulos “El Santo oficio de la Inquisición”: A máquina que tortura, que
aniquila, que mata e que, se não se constitui o cerne da obra, é expressão
convincente do que em muitas reuniões internacionais se define como atentado
aos direitos do homem.
No
relato, Mariano, jovem jornalista de parcos recursos, sente-se realizado apenas
em escrever a verdade. Esta escolha – desde os tempos imemoriais, rejeitada
pelo poder – ou sua amizade com Fierro, levam-no à prisão.
Ganapán,
criado num orfanato, ex-operário sem trabalho e que, segundo ele próprio, veio
ao mundo para sofrer (Nasci torto ou me
puseram mau-olhado), encontra Mariano ferido entre as macegas, fugitivo da
prisão. Esconde-o no seu barraco, o alimenta, dividindo o quase nada que tem e
o trata. Recuperado, um dia, Mariano parte sem se despedir. Tempos depois,
volta para agradecer.
As
últimas páginas do livro contam do reencontro dos dois marginalizados: um,
proibido de pensar; outro, impedido de conseguir condições para viver. Sob um
teto cheio de goteiras que deixa passar a chuva, tomam um pouco de vinho e
fumam um cigarro feito de xepas, conscientes e convictos de que somente
respirar não basta: algo é preciso fazer.
Nesta convicção e nas palavras finais do livro As duas sombras gigantes se aproximaram nas paredes de lata, a
simbologia otimista a sugerir um entrelaçar de forças, um intuito de luta.
No
conjunto da obra, a riqueza da palavra, a expressão da angústia, as
interrogações, a denúncia da repressão. A cidade sugerida, presente no mar, no
porto, nas folhas de plátano, nas gaivotas, no detalhe da vida cotidiana. O
temor do hoje que, só por sorte, pode se transformar no amanhã; as perguntas
que são reflexões (como é que nós éramos?,
Quem éramos?, Não voltarão a se juntar
nunca os pedaços que nos fizeram possíveis) ou deveriam levar à reflexão.
Sobre a palavra ou sobre o poder da palavra e se basta escrever para redimir-se
ou redimir. Ou se, unicamente, a ação é redentora porque a canção se esvai, se
dilui num testemunho repetido a exaustão na América, mesmo sendo chama e
esperança em dias de paz.
E
a esperança do povo, diz o Eduardo Galeano, é feita de cristal.
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