Juan Núñez de Prado foi designado pelo
Vice-rei do Peru para fundar uma cidade. Partiu de Cuzco, numa expedição que
percorreu um vasto itinerário no qual enfrentou discórdias, lutas e toda sorte
de desventuras. Carlos Droguett, sem se afastar da História Oficial, relatada nas Crônicas da Conquista, refaz
esse caminho em El hombre que trasladaba las ciudades (Barcelona, Noguer,
1973), um dos mais belos e perfeitos romances latino-americanos. No segundo capítulo, o capitão e seus homens
avançam no Continente em busca de um
sítio para assentar, pela segunda vez, a cidade.
As
portas, as janelas, os pedaços de tetos e de paredes eram transportados nas
carretas. E os móveis, tábuas novas, pedaços de sacada e roupas brancas,
colheres e facas, ferramentas. Com pressa,
haviam arrancado a cidade de suas ruas e de suas praças para
reconstruí-la mais além: Não levamos as ruas porque estão em nós, somos uma
rua, um caminho real [...], diz o capitão. E sob as nuvens geladas, a
levaram até que os capitães, os soldados, o padre decidiram que a chuva estava
a indicar-lhes o lugar do novo assento.
As carretas se detiveram e, com muito frio e sem falar, os soldados começaram a
descarregá-las. Apenas nasceu o dia, elevaram-se as vozes e os ruídos do
trabalho: bater de tábuas, chiado das serras, golpes de martelo. E o chão foi
se cobrindo de madeiras e móveis, montes de roupas, armas, utensílios, frutas e
grãos, pedaços de pão atirados no barro,
pisados pelos cascos dos cavalos.
Na
cidade deixada para trás, os cavalos
haviam caminhado sobre as primeiras tábuas derrubadas. Caminhavam firme sobre elas, escorregavam um
pouco e se mantinham mais dignos, mais
perigosos. Haviam marchado sobre os escombros, saltando portas e janelas ou
afundando os cascos nos seus
marcos. A trotar sobre as madeiras,
arrastavam as roupas – lençóis pendurados no pescoço e nas garupas camisas, calças e borzeguins -
e pedaços de móveis presos nas selas.
Cumpriam, assim, os desígnios de Juan Núñez de Prado, ao argumentar com
seu capitão as condições da mudança: lançaremos punhados da cidade nas nossas
montarias, penduraremos alguns restos de roupa, móveis, molduras nos pescoços dos
cavalos ou dos índios, levaremos quanto pudermos. Então, deslizavam as
vigas que sustentavam os tetos e
desmoronavam as janelas e as portas e os cavalos cheiravam a madeira e sacudiam com medo suas patas. Depois, se
detinham e olhavam para dentro das
casas, aguardando algo, um barulho, uma
respiração, um soluço, um lamento.
Porque,
assim como da primeira mudança houve aqueles que se negaram a partir e foram
enforcados, na segunda, eram muitos os que não podiam partir, minados que
estavam pela doença. Entrincheiravam-se nas casas enquanto Juan Núñez de Prado e seus capitães
discutiam se deviam levá-los junto ou abandoná-los a sua sorte: talvez os enforcaremos, talvez os deixemos
amarrados na casa do aguazil ou do alcaide, inertes, incapazes de se rebelar e
de fazer nada de mal, nem nada de bom [...].
Soldados
lançam seus cavalos contra as paredes; outros tentam defendê-las e são
golpeados, amarrados, feridos. Dúvidas
se renovam a cada uma das
decisões entre as certezas que fazem avançar. Algum inesperado argumento
questiona verdades e convenções como o do capitão Guevara a respeito do que
deixarão para trás: mortos e feridos,
casas a meio arrebentar, ainda vivas, gado triste e ferido, cães meio mortos de fome, cavalos
sem freios, trotando loucos nas ruínas.
Entre as
desarmonias do cenário, instauradas pelos homens, e o ritmo intrincado de suas
ações a contrastar, por vezes, com a simplicidade das águas do rio, correndo
quietas, do cacarejar das galinhas, da quietude dos cavalos. Deitados sobre
lençóis, em meio a sacos de trigo e milho esparramados, pareciam mostrar aos
homens o enorme erro e desorganização que
havia em tudo isso.

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