Juan Núñez
de Prado foi designado pelo Vice-rei do Peru para fundar uma cidade. Partiu de
Cuzco, numa expedição que percorreu um vasto itinerário no qual enfrentou
discórdias, lutas, e toda sorte de desventuras. Carlos Droguett,
sem se afastar da História oficial, relatada nas Crônicas da Conquista, refaz
esse caminho em El hombre que trasladaba las ciudades ( Barcelona,
Noguer, 1973), um dos mais belos e perfeitos romances latino-americanos. No
segundo capítulo, o capitão e seus homens avançam no Continente empós de um
sitio para assentar, pela segunda vez, a cidade.
Serras, torrentes,
bosques e rios se sucedem nesse percurso em que a cidade é transportada nas
carretas e nas costas dos índios. Nas paragens, se inscrevem, então, novos
sons, novos movimentos, novas silhuetas. Sob céus cambiantes, escuros e imensos, espalham-se, no fundo das
planícies e dos charcos, ora plangentes, ora enfastiados, os relinchos dos
cavalos. Deixam, também, ouvir o seu claro galopar, o barulho de seus cascos
entremeado às vozes, ao ruído da água. Movem-se com elegância, lentos,
adormecidos ou trotam ágeis, livres e
desenvoltos e leves na frente da multidão de índios carregados, algum sai
em disparada. Por vezes, apenas suas sombras se destacam além das árvores, por
vezes, deslizam misteriosos na escuridão e sua presença nada mais é do que o
registro de um ir e vir dos ginetes ou da corrida de um cão entre suas patas,
ou apenas uma nota indicativa de lugar: os
soldados tinham desaparecido atrás
dos cavalos; o capitão escutava o crepitar do fogo, do outro lado dos cavalos;
na direção das carretas onde se amontoavam os cavalos.
Mostram-se,
também, ora tranqüilos, a pastar perto dos soldados, ignorando-os, como se
ainda estivessem nos velhos campos da Europa ora perto dos arroios, sob a copa das árvores,
sensíveis ao barulho do vento que faz com que parem as
orelha e as agitem antes de afundar o
focinho na água, bebendo longamente.
Friorentos, se aproximam das fogueiras; surpreendidos pela força da
torrente, se batem com fúria, relincham com desespero: parecia que estavam lutando com a água, mordendo-a atirando as patas,
não colhidos por ela e pela morte mas
brigando, ferindo-a num ódio certeiro e sem trégua.
Assim,
ajudando a compor o cenário de El hombre que trasladaba las ciudades e o
animando com suas expressões de vida, os cavalos se constituem, também,
um dos elementos que conferem ao romance o constante dinamismo no qual
ele se constrói. São, igualmente, o motivo de pequenas sequências descritivas
que matizam o ritmo narrativo com brevíssimas pausas.
Há um
momento em que Juan Núñez de
Prado, entre seus soldados e capitães,
se deixa dominar pelo medo. Como ocorre, tantas vezes, neste romance de Carlos
Droguett, o relato da ação se interrompe
e entre o sentimento do personagem e as
palavras de seu interlocutor, se
interpõem as palavras do narrador se referindo
ao céu onde nuvens translúcidas faziam ressaltar mais bela a tarde de verão, as
flores se inclinavam cerimoniosas na direção das carretas para espiar os
cavalos cansados, os índios cansados.
Outro, em que são enumerados os caixotes, as caixas, os cestos repletos
que seguem nas carretas junto com ornamentos,
fazendas douradas, cálices, crucifixos,
a referência a um anjo [que] abria suas
asas na garupa de um cavalo, e às flores, às
flores vermelhas que pendiam para fora, para o alto e batiam suave os
focinhos dos cavalos e [...] os seus flancos.
Nestas
seqüências não são esquecidas as agruras, companheiras certas dos ibéricos,
como a religiosidade, na desmesurada aventura da Conquista do Continente quando
o fado dos cavalos é similar aqueles dos índios. Tampouco o serem depositárias
– ainda que os homens disso pouco se apercebam – de um fugaz instante de beleza
que o luminoso de uma tarde ou o movimento
das flores pode oferecer.

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