domingo, 3 de abril de 2005

A pérola do Guaíba: sua gente

            Se os viajantes que chegaram a Porto Alegre e deixaram suas impressões em cartas, diários, informes, tiveram, sempre, muito a dizer sobre a sua localização, sobre o cenário descortinado a seu redor e, também, sobre algumas de suas características como cidade, ou por terem permanecido apenas alguns dias e/ou somente na condição de forasteiros, o que puderam dizer a respeito de seus habitantes foi bastante escasso. Breves e parcas observações, disseminadas nos testemunhos compilados por Valter Antonio Noal Filho e Sérgio da Costa Franco e publicados no final de 2004, em Santa Maria, pela Editora Anaterra , em Os viajantes olham Porto Alegre 1754 – 1890 e Os viajantes olham Porto Alegre 1890-1941. Certamente e, não poucas vezes, mostrando o acerto desse título, a cidade se oferece, apenas, ao olhar. Um exemplo, as palavras de um viajante que, em 1885, dizia ter tido pouca oportunidade de ver (é o verbo que emprega) a elite da cidade em grandes grupos e em número considerável.  Repete o verbo para acrescentar que o que vira apresentava uma tintura de decorosa elegância e de distinto europeísmo e, outra vez, ainda, para fazer o elogio das moças, de boa aparência, bonitas, alegres que pudera ver aqui e ali ou quando assomavam à janela. São os  costumes das senhoras de Porto Alegre, tanto quanto pode ver e julgar um viajante em poucos dias. Cinqüenta anos antes, um outro dissera que penetrar no que chama de santuário misterioso só era possível quando a severidade do marido diminuía diante da boa conduta do estrangeiro a demonstrar que não representava perigo para a sua família e lhe abria as portas, um favor que exigia em troca reserva e circunspecção. Assim, as referências que aparecem às pessoas da cidade, no primeiro volume, em grande parte, se devem, apenas, ao que se mostra mais evidente. Um viajante observa a mistura de raças, nacionalidades e cores de pele que, de acordo com  outro, ambos escrevendo na mesma época, pode variar desde o branco como a neve até preto profundo. O que é, igualmente, mencionado por um terceiro ao notar que a aglomeração de gente no mercado, formando uma mistura colorida de pessoas, permitia perceber desde o preto-ébano mais reluzente de gordura, todos os matizes do marrom e do amarelo até o lindo branco com um halo rosado, todos os tipos de pele estão representados. Tais comentários sobre a cor da pele não serão, no entanto, muito freqüentes. Destaca-se o de Auguste de Saint-Hilaire, que se refere aos homens de Porto Alegre como grandes, belos, robustos, tendo a maior parte o rosto corada e os cabelos castanhos. Uma opinião que irá reiterar mais adiante: muito claros e de cabelos e olhos semelhantes, na cor, aos das mulheres, eram grandes e bem feitos; das mulheres que encontrou num pequeno baile, ao qual fora levado por um compatriota, diz que eram muito brancas, de cabelos castanhos e olhos pretos. 
    
        Uma observação sobre o nariz dos homens, muito longo e fino; outra, sobre mulheres maduras, com aparência de barris e homens com pernas arqueadas; sobre a presença de uma jovem e linda moça e de encantadores rostos de mulheres, já de per si pouco visíveis, as quais, comparáveis a uma verdadeira mostra de beleza, enfeitam as janelas e os balcões; sobre mulheres joviais, bonitas, amáveis... e até graciosas, mostram traços que irão se completar com as notas sobre a sua maneira feminina de se vestir e de se comportar. Também, muito rápidas, dizem ou que as mulheres se vestiam com simplicidade e decência, ou, em festas, se sobrecarregavam de flores, de bugigangas, usavam vestidos de cetim branco bordado e empalhetado de ouro e prata, sapatos e luvas de cetim e muita jóia. E que, embora seguissem, como os homens, a moda francesa, dela não estão ausentes os acertos locais: cores berrantes e os desenhos bizarros.  Na quinta-feira santa, vão à igreja com roupas resplandecentes, deixando à vista os ombros e os braços e com a cabeça descoberta, parecem prontas para o baile. Sentadas no chão e até de costas para o altar, conversam e riem e comem doces. Como no teatro ou nos passeios pela rua principal da cidade, se deixam admirar nas suas roupas novas. Os bailes são raros e morosos. E elas se divertem, espiando pela rótula, a zombar dos passantes.

            Ainda que recebam críticas ferrenhas sobre a sua maneira de ser, uma e outra vez, como também, sem contemplações, as recebem os homens, uma e outra vez, três mulheres porto-alegrenses tem seus nomes mencionados por prodigarem gentilezas inerentes à hospitalidade. Uma virtude tida por um raro costume de franqueza e generosidade, que torna grato a um dos viajantes e leva outro a dizer que ela é exercida com tato e com delicadeza, procurando tornar o país agradável aos estrangeiros. E a boa hospitalidade, considera um outro viajante, é a única qualidade dos rio-grandenses.

            Os olhares são muitos e diversos. Admirativos, preconceituosos, sóbrios. Por vezes, levados pelo entusiasmo, ou pela mordacidade, têm um viés exagerado ou errôneo.

            Agora, as palavras que os expressam, no resultado do magnífico trabalho de Valter Antonio Noal Filho e de Sérgio da Costa Franco, podem ser conhecidos e apreciados num itinerário muito rico e prazeroso, pleno de qualidades, constituindo-se uma fonte preciosa para estudos sobre a história de Porto Alegre.

 

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