domingo, 27 de março de 2005

A pérola do Guaíba: suas ruas e suas casas


        ...há flores em todo lugar e o ar é mais transparente, fresco e aromático.
                                                                                                              Alexander Jonin 

            Avistavam a cidade, ainda navegando. Ora a se fixar nos rios que lhes estão próximos, ora a se admirar da vegetação, da silhueta das colinas, de seus arredores: o largo e tranquilo rio, a própria amável cidade, que se estende  para o norte, à margem do rio, numa série de bonitas casas de campo e verdes e viçosos jardins, o espesso matagal do outro lado, através de cujas densas sombras dificilmente abrem caminho os regatos afluentes do Guaíba, os pequenos barcos e canoas que sobem ligeira e tranqüilamente – tudo isso forma um quadro de graça e encanto que só alguns pintores holandeses em momentos felizes, transportaram para a tela. Depois, pouco a pouco, já desembarcados, descobrindo a cidade nas suas ruas, no desenho de suas casas.

            Os testemunhos deixados por  aqueles que, entre 1754 e 1890, estiveram na cidade, foram  reunidos no primeiro dos dois volumes de Os viajantes olham Porto Alegre, (o segundo abarca de 1890 a 1941), organizados por Valter Antonio Noal Filho e Sérgio da Costa Franco, que a Anaterra de Santa Maria publicou em outubro do ano passado. Um trabalho minucioso, de extrema importância ao recuperar textos, muitas vezes, de difícil acesso e/ou em língua estrangeira, que é valorizado pela perfeita apresentação das fontes consultadas, oferecendo um material valioso sobre a paisagem, na qual a cidade se insere e sobre seus aspectos urbanos, modificados pelo passar dos anos.

Alguns muito breves, outros mais extensos, são textos que informam e opinam. Ricos no que relatam e no que descrevem. Eventualmente, controversos nos comentários e julgamentos que são, por vezes, plenos de acertos. Naqueles compreendidos entre 1826 e 1888, há quem diga ser Porto Alegre composta por três longas ruas principais que se estendem paralelas ao rio e são atravessadas por outras mais curtas, já na encosta da colina; quem afirme que seu traçado é irregular, ou que suas ruas se apresentam retas e largas e arborizadas, largas, bem calçadas e notavelmente limpas.  Constantes, as referências a sua situação no alto da colina íngreme,  fazendo com que, de qualquer lado que seja olhada, ofereça um aspecto encantador, tanto quanto permite a visão de esplêndidos panoramas. Igualmente constantes, as menções à pavimentação de suas ruas feitas em granito e grés não por calceteiros, mas por pedreiros o que, então, explicaria os seus defeitos: mal pavimentadas, muito mal calçadas, regularmente calçadas, com calçamento irregular, com calçamento e calçada defeituosos, as ruas mais mal cuidadas que se possa achar em um ano de viagem por esse continente, encontrando-se num estado tão horrível que ficam esburacadas em tempos de chuva. Ou, bem calçadas, todas calçadas e mui direitas, não se encontrando essa multidão de estreitos becos e travessas que tanto fazem desmerecer uma cidade. A que possui a melhor pavimentação (e o melhor comércio) é a rua dos Andradas, uma linda rua larga e com calçadas em ambos os lados, uma das poucas a ter seu nome citado o que acontece várias vezes, porém, ainda, com o seu primitivo nome, Rua da Praia: a principal, larga, regular, movimentada pelas lojas, as lojas mais finas, pelas oficinas de diversas profissões. Também se distingue pelas casas, geralmente altas, de estilo elegante e moderno [...] e os casarões, situados entre bem cuidados jardins contrapondo-se às pequenas casas, baixas e sujas dos subúrbios.  

            Dos subúrbios, no entanto, a maioria dos viajantes quase nada fala como tampouco da aparência das casas. Um ou outro se refere ao estilo português: não se pode imaginar mais insípido. Igualmente, um ou outro considera que as casas são até bonitas, muitas, de bom gosto e não desprovidas de elegância. Que, em várias ruas, as casas mais antigas são baixas e, em vez de janelas envidraçadas, são providas de gelosias. As mais novas, sempre quadradas, se mostram bastante sólidas, construídas de tijolos, com alicerces de pedra ou de pedra de cantaria. Caiadas por fora ou pintadas de cores claras, berrantes, algumas têm a fachada decorada com azulejos coloridos. Os telhados, na maioria, inclinados, são de telhas longas, ou cor-de-rosa, um pouco elevados e salientes, destacam-se admiravelmente, coroando casas brancas ou amarelas de uma arquitetura simples e graciosas. Nos sobrados, abundam amplas janelas, providas de vidraças e sacadas de ferro, por vezes, douradas, que percorrem, toda a largura do prédio .

            Como os textos são antecedidos de notas bio-bibliográficas, nas quais constam informações que permitem conhecer as datas precisas ou aproximadas em que foram redigidos, também é possível neles encontrar o itinerário das transformações ocorridas tanto no que se refere aos seus logradouros quanto a sua arquitetura. Igualmente, a presença, sempre renovada, das expressões de encantamentos que acompanham descrições e relatos quando se detém na sua privilegiada localização: Porto Alegre me deu a impressão de uma sereia, deitada placidamente entre as flores mais suaves e iluminada pelo sol mais bonito que Deus criou.

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