Entre
o sonho e a realidade, um salto rumo ao
nada e ao esquecimento, precedendo, talvez, a chegada a um porto seguro ou
à felicidade ou ao desconhecido, Alberto da Nave decide colecionar manhãs. O título do romance, O homem que colecionava
manhãs (a indicar uma ação que se repete), leva a crer que o tenha
conseguido. Antes, porém, anota o que acontece em sua vida e o registro que
faz, entre o 25 de maio e o 6 de dezembro de 1945, dá conta de episódios de seu
passado, nas sofridas lembranças que o acossam. E de um presente de idas e
vindas à procura de uma nomeação para o simples cargo de almoxarife da
Prefeitura ou de momentos amorosos. Vai-se revelando em encontros e
desencontros que, a sua revelia, ou não, se estabelecem nas sucessões de fatos
de um dia a dia sem perspectivas aos quais se acoplam as histórias daqueles que
desde sempre, guardaram prudente distância do giz e do quadro-negro e a quem serve,
escrevendo as cartas de amor ou de negócios que necessitam. Seus percalços e
alegrias apenas acontecem, são documentados, fazendo do relato, salvo com o que
aconteceu no passado, cujas lembranças lhe acodem, uma linha cronológica fixa
às datas e a um só lugar: Porto Alegre.
As datas encabeçam cada
capítulo. Uma vez, houve dois registros no mesmo dia e, entre uma e outra data,
umas cinqüenta ausências, mostrando que nada fora digno de ser anotado. Umas
seis vezes, o capítulo é formado por uma carta escrita para terceiros (tarefa
que o narrador realiza para melhorar seu orçamento) e, outras tantas, por
cartas pessoais do narrador à mulher que deseja conquistar ou que dela recebe
em resposta. Sempre, segue-se à data, o dia da semana. Com freqüência,
expressões informam, também, o momento em que o registro foi feito.
Imediatamente, após a data, esse registro da hora aparece por extenso ou por
numerais numa preocupação presa a um testemunho que, ora se quer preciso (Dez
e 18, Dez e sete, Onze e doze, Meia noite e dez, 23h35, 11h15), ora dilui as fronteiras do tempo
em expressões como noite alta, quase manhãzinha, Madrugada, Em hora incerta de
uma noite incerta.
Na cidade,
Porto Alegre, já citada na segunda página do romance (e, logo, mais de vinte
vezes), os percursos feitos pelo personagem narrador que a desenham nos seus
logradouros.
Alberto da
Nave não diz, no seu relato, o nome da rua onde mora, mas, sim e de muitas,
quase trinta, o nome das ruas de seus repetidos itinerários. Compreendem,
sobretudo, o centro da cidade (Rua da Praia, da Ladeira, Voluntários da Pátria,
Andrade Neves, Uruguai) e as regiões que lhe são vizinhas (Avenida
Independência, Barros Cassal, Mostardeiro, Alberto Bins, Cristóvão Colombo,
Sete de Setembro). Ruas que fazem parte da Cidade Baixa, dos Moinhos de Vento,
da Floresta, bairros aos quais se refere, como também se refere a outros, à
Azenha, a Teresópolis e ao Partenon e, já das praias do rio, a Guarujá. Por
vezes, usa o nome da rua simplificado pelo uso (Duque, Avenida Borges, Bento,
Demétrio, Voluntários, Sete) o que ocorre, igualmente, com a Redenção que não
precisa ter antecedido ao seu nome a especificação de parque. Além das ruas e
dos bairros, das praças (da Alfândega, do Portão, da Caridade, da Misericórdia,
Júlio de Castilhos) e dos Largos (da Misericórdia, dos Medeiros), a presença da
cidade se reafirma nas referências aos cemitérios, às igrejas, aos hotéis, a
restaurantes, bares e confeitaria, aos colégios, aos cinemas, ao teatro, e a
verdadeiros marcos dessa época, à Casa Guaspari, ao Banco da Província, aos
jornais Correio do Povo, Folha da tarde, Diário (de Notícias).
Em meio a
datas e a horários bem definidos, em meio a uma cidade profusamente delineada nos
nomes de suas ruas, histórias de amores e dramas que Liberato Vieira da Cunha,
neste seu romance que a Objetiva do Rio de Janeiro publicou no ano passado,
entremeando de mistérios e aventuras soube construir. E, com o bom uso da
palavra que lhe dá o seu ofício de cronista, soube, também contar.
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