E a aristocracia da pele passará como todas as outras aristocracias!
Tempo ao tempo!
Arsène sabelle
Herbert
Smith nasceu nos Estados Unidos e, entre 1881 e 1882, permaneceu seis meses no
Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, se hospedou num hotel que o impressionou
vivamente pela qualidade de seus serviços e pelas criadas, limpas e frescas que
nem lírios, lírios negros.
Dentre
os testemunhos de viajantes que foram recolhidos por Valter Antonio Noal Filho
e Sérgio da Costa Franco em Os viajantes
olham Porto Alegre 1754-1890, publicado pela Anaterra, de Santa Maria, é
uma fugaz expressão simpática sobre os negros de Porto Alegre que se perde
entre as dos demais viajantes que apenas lhes constatam a presença em breves e
apressadas observações.

Em
1820-1821, o viajante diz que havia em Porto Alegre, pouquíssimos mulatos. Em 1861, um suíço falaria no sangue
português, profundamente pervertido,
devido ao cruzamento com negros; num
texto de 1878, irá constar que em Porto Alegre havia negros e mulatos por
toda a parte, quase todos escravos;
e que, dois anos depois, devido às inúmeras miscigenações, ocorreram,
como em todo o país, incontáveis variedades de mulatos. Alguns viajantes,
porém, só irão se ater aos negros ou notando que na cidade havia, relativamente
ao número de habitantes, menos negros do que no Rio de Janeiro. Ou em
observações um pouco mais precisas como a do hóspede de uma residência familiar
que percebe crianças negrinhas entrando e
saindo da casa; como a do viajante
que assiste, no sábado de Aleluia, à queima do Judas e presencia o júbilo gritante da população negra,
enchendo as ruas. Como as várias que dão conta dos trabalhos realizados em
público: o de carregador – os negros, considerados verdadeiras bestas de carga
– e o de comerciante, no mercado, acocorado perto das mercadorias.
Dois
viajantes, no entanto, perceberam mais.
Em
20 de março de 1834, Arsène Isabelle chega a Porto Alegre e, sobre ela, escreve
um longo texto em que, a par de elogiar a sua situação como cidade e seus
arredores, seu clima, a arquitetura de suas casas, não poupa críticas a alguns
costumes que ali reinavam. Ao tratar da
presença dos negros – homens laboriosos,
os trabalhadores, aqueles enfim que
têm mais necessidade de empregar sua inteligência–, tampouco deixou de se indignar
sobre a sua situação: não passam de
escravos, e, sobretudo, de negros!
Relata como, por qualquer falta, são amarrados ao primeiro poste e flagelados
até que o sangue brote, recebendo, então, nas feridas, sal e pimenta.
Acrescenta que há senhores tão bárbaros,
principalmente na campanha que mandam fazer incisões nas faces, nas nádegas,
nas coxas de seus escravos para meter pimenta dentro delas; e aqueles
que assassinam um negro jamais pagam
por isso. Porquanto existam leis severas para tal crime, elas não são aplicadas
e Arsène Isabelle cita Balzac: as leis
nunca estorvam os empreendimentos dos grandes ou dos ricos, mas ferem os
pequenos, que têm, ao contrário, necessidade de proteção. Testemunha, ainda
que, todos os dias, de manhã, defronte de uma igreja e junto de uma coluna levantada sobre um pedestal de pedra, há sempre um
conjunto de membros mutilados, dificilmente reconhecíveis como um ser humano:
um negro que sob as duzentas, quinhentas, mil ou seis mil chicotadas foi
transformado em massa informe.
Completando
tais quadros de horrores, que, evidentemente, se perpetuam também post-mortem,
as palavras de Marie Van Langendonck que esteve, pela primeira vez, no Rio
Grande do Sul entre 1857 e 1860, a propósito do dia 2 de novembro, quando todas
as famílias visitam o cemitério da cidade, admiravelmente
situado sobre uma elevação e
muito bem cuidado. Fora de seus muros,
há uma espécie de monturo onde os negros são enterrados. Eles aí são depositados, sem caixão, na
terra, simplesmente enrolados num pedaço de pano, e às vezes mesmo sem esse
pobre acessório. Vêem-se, cá e lá, trapos que a terra não cobre inteiramente,
são os lençóis dos cadáveres cuja fossa não foi cavada suficientemente profunda.
No
segundo volume, Os viajantes olham Porto
Alegre 1890-1941, as referências aos negros, além da que trata de seus
costumes funerários e da que descreve o penteado de beldades negras, são igualmente esparsas, mas, sobretudo, sem
contemplações. Negando-lhes a presença ou mencionando-os com indiferença e
desprezo, por quaisquer que sejam suas razões, os viajantes não puderam ou não
quiseram entender a nódoa que, assim, injustiçados por leis abjetas e por
preconceitos ignóbeis, os negros significavam para a sociedade na qual estavam
inseridos.
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