As
lembranças do filho e dos amigos se enleiam às emoções de Jorge Afif Simões
Filho, contando, em breves textos e em poemas, episódios de sua vida. Em
nome do pai de Jorge Afif Simões Neto (Edição do Autor, Porto Alegre, 2004)
elabora retratos e recria cenários em relatos que, por vezes, também fazem a
história de uma época.
Nascido
em 1927, em São Sepé, quando tinha pouco mais de seis anos a família se mudou
para o campo, pois seu pai decidiu mudar o comércio pela pecuária e pela
lavoura. Jorge Afif Simões Filho diz que dessa época, vivida na campanha,
guarda impressões nítidas e fortes. Aprendeu a andar a cavalo e, então, em
companhia do pai, percorria o campo; entre outras brincadeiras, a pesca no
arroio; perto da venda, em cujo potreiro descansavam os bois dos carreteiros,
ficava a lhes ouvir as histórias e as trovas
e tocatas.
E os causos e cantorias à noite, no
galpão, quando chegavam os contrabandistas.
No poema
“Meu tipo inesquecível”, fala desse moço que chegava do Uruguai, com nome
trocado, marcado de balaços,
a respiração de cavaleiro perseguido
e um contrabando de bugigangas. Em
“Malas de andantes”, cada seis versos das quatro estrofes que o compõem, é um
pequeno capítulo a relatar os momentos de sua emoção de menino diante dos
homens que chegavam curtidos de chuva e
sol e cujas histórias o deslumbravam. Na primeira estrofe, a chegada, o que
já era uma festa, e o que traziam nas malas de contrabando: lenço, colcha e lençol, / espelho, pente e
perfume, /Bala e baralho espanhol.
Na segunda e terceira, esse momento mágico, no galpão, perto do fogo, a escutar
os causos, sempre curtos, Por mais que
fossem compridos do que acontecia nessas vidas de constantes perigos: as
peripécias da vida aventureira, passada a brigar, a fugir, a enfrentar os tiroteios na fronteira e a correnteza
dos passos brabos. A emoção dessas
lembranças, não apagadas pelo tempo, se expressa, sobretudo, no último verso da
quarta e última estrofe: E mesmo velho
conservo / Meu espanto de guri. Não está distante daquela, presente nos
textos em prosa. Como os poemas e a eles se intercalando, pertencem, também, ao
capítulo II, “Na Rondinha”. Num deles, menciona a procedência dos
contrabandistas, uruguaios da fronteira que traziam mercadorias de Rivera. Para
o menino Jorge Afif Simões Filho, o mais
fascinante era “El Gaúcho”, de 35
a 40 anos, com sua melena ondulada e negra, seu dente de ouro e seu espanhol
mesclado de português. Tinha um
pequeno bandônio que sacava de uma capa
de lona e espichava em tangos e
milongas. Certamente, estão na origem do encanto que o poeta guardou por esses ritmos e pelo instrumento que, mais
tarde, aprendeu a tocar. Como relata seu filho, Jorge Afif Simões Neto, o
bandônio foi uma das grandes paixões de seu pai e dos companheiros fraternos que teve talvez o mais inseparável. E
tanto, que no seu escritório de advocacia, o guardava debaixo da escrivaninha
e, muitas vezes, quando chegava um cliente, antes de tratar do assunto que
motivara a visita, ele tocava um tango ou uma milonga, tranqüilizando com a sua
música quem chegara para tratar de um caso geralmente
aflitivo. E desses contrabandistas,
amigos de seu pai, recebidos na sua casa onde chegavam abrindo as malas de
mercadorias para delas tirar presentes, lhe ficou, também a ternura por certa gente fora da lei, como diz no
outro texto em prosa. Torna a fazer menção ao inesquecível convívio no galpão, aos tiroteios, tão comuns e
arriscados para os que se dedicavam a se esquivar da guarda aduaneira e que
acabaram por ser fatal a El Gaucho, mais tarde, morto numa contenda com os
fiscais do governo. E esse inestimável testemunho: homens que desencilham os
cavalos, oferecem algo do que trazem, um lenço de pescoço, um pedaço de tecido,
um pequeno espelho e muito de suas histórias de coragem e enfrentamento de
perigos: muito diferente, diz o poeta, do
comércio ilícito desses magnatas motorizados que enriqueceram de noite para o
dia. E sem o mínimo risco seria
dever acrescentar.





