domingo, 7 de março de 2004

Também para falar de flores

            É um livro de memórias: Os Saldivas: aprendizados nominais (São Paulo, Geração Editorial, 2003) em que a autora, Rose Saldiva, percorre, outra vez, testemunhando, os caminhos de sua vida. Fundou, com o irmão, uma agência de publicidade que, no dizer de Carlos Heitor Cony, no prefácio do livro, se destacou como uma das mais eficientes e de bom astral de nossa mídia. E nela, Rose Saldiva tem um dos motivos para escrever o seu livro: Achei que seria útil saber como se pode construir uma agência, às vezes rindo muito das bobagens que a vida apronta, às vezes chorando muito porque a vida é cruel. Nas suas lembranças, a emoção desse voltar atrás – vivências da infância, preparação para a vida adulta, sucessos profissionais – onde impera, sobretudo, a alegria de viver. Uma alegria que está presente nos breves capítulos que vão dando conta das travessuras infantis, das descobertas, das mudanças, das conquistas que, sob o signo do querer bem, foram propiciando esse aprendizado, anunciado no título da obra e que, na verdade, é o cerne de suas páginas.
 

            São episódios divertidos (o veterinário que medica o cachorro e a criança com a mesma injeção, a autora, dando, na pressa, para a colega que sentia dor, um remédio contra baba de vaca); breves perfis que emocionam (Dona Tizuka, japonesa, quitandeira, vinda de Mogi das Cruzes, risonha. Falava tudo errado [...]. Tinha de tudo um pouco, mas muito pouco, um pepino, um pé de alface, dois tomates. Ganhava quem comprasse primeiro); menções aos costumes e às modas e à mentalidade de uma cidade que, no início dos anos cinqüenta ainda era horizontal(casamentos com vestido de cauda de 15 metros, tradicionalíssimo. Copiavam figurino de Hollywood, cumpriam o sonho da mãe; era vestido da princesa, da avó, do cinema... Denner a ganhar dinheiro. Na Igreja Santa Terezinha, zona norte da cidade, jogavam-se pétalas de rosas sobre a noiva. O bufê era o França. Tinha orquestra. Jogar o buquê da noiva era o ponto alto da festa. Todos queriam fugir dali, inclusive os noivos). Entremeados em conceitos verdadeiramente oportunos e primorosos, reveladores de um poder de síntese que, aliás, conduz sempre o texto de Rose Saldiva. São muitos e relacionados no final do livro, depois do “Epílogo”. Feitos de máximas e de conselhos se agrupam sob o título O que aprendemos & o que aplicamos e, embora alguns tenham a ver diretamente com a publicidade, a maior parte é constituída de sentenças com um sentido mais amplo (Um sonho não é uma mentira), de conselhos moralizantes (por maior que seja a tentação, não roube) ou a visar o bem conviver (Só compareça se for convidado) ou, simplesmente, o melhor viver (Coloque flores em sua vida). Espelham uma visão de mundo de seu tempo, conservando, porém, (o que se torna assaz raro), valores tradicionais sem, no entanto, se mostrarem austeros como os do Marquês de Maricá que, nos seus quatro mil, cento e oitenta e oito aforismos, reunidos em Máximas, pensamentos e reflexões, somente se permitiram a grande seriedade que um viver na corte, o ter sido agraciado pelos inúmeros serviços prestados ao país com um título nobiliárquico e, principalmente o tê-los redigido quando contava mais de sessenta anos, poderiam explicar. Para Rose Saldiva, circunstâncias muito precisas resultaram em ensinamentos e na sua narrativa, assim inseridos no cotidiano, eles adquirem o significado e o valor da coisa viva. Quando, ainda menina, teve que contar para Dona Isaura, numa festa, o porquê da atenção de seu marido diante de tantos gestos de um primo mudo. Não sabendo o que dizer arranjou uma desculpa: - Acho que estão discutindo política. O que fez Dona Isaura concluir, numa verdadeira e definitiva lição: - Política é conversa de mudo e surdo. Ou, ao sugerir mudar de casa para se livrar de constrangimentos com uma das vizinhas, rebatendo os argumentos da mãe que não concordava com ela, escutou: olhe para a frente e de lá você vislumbrará o horizonte.

            E assim, atenta aos que a rodeiam, atenta às emoções, atenta aos caminhos que trilha, Rose Saldiva se submete às perdas impostas pela vida, que ela quis marcada pelas flores: O símbolo de minha agência é o crisântemo amarelo.

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