Wilson
Martins o considera o romance da
revolução de 1835 e, em 1985, quando do Sesquicentenário da Guerra dos
Farrapos, como um dos eventos então realizados, foi, novamente, publicado numa
co-edição da Universidade do Rio Grande e da Editora Movimento de Porto Alegre.
Escrito por Luiz Alves Leite de Oliveira Belo, Os Farrapos apareceu,
pela primeira vez, em 1877 e, segundo Cláudio Gabiatti, professor de Literatura
Brasileira na Fundação Universidade do Rio Grande, é o único romance em nosso meio, escrito especificamente sobre
e com matéria da Revolução
Farroupilha que irá fixar não nos grandes
combates, não nas cenas épicas, não
nas falas heróicas, mas nos
indivíduos e nos seus conflitos.
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No
cenário que descreve, brevemente, opondo as planícies do extremo sul às
montanhas e às matas que formam a topografia do norte do estado se detém em
tipos que o habitam e elabora uma trama amorosa de extrema simplicidade que, no
melhor estilo romântico, se enreda numa teia de enganos que irão se desfazer
nas últimas páginas do livro.
Assim
como no romance O Gaúcho, de José de Alencar, Os Farrapos se
inicia com uma descrição de cenário no qual, igualmente, surge um
cavaleiro que propiciará a definição do gaúcho – a quem cabem os epítetos de
centauro, rei, herói, soberano, monarca da coxilha – numa generalização que se
individualiza no personagem Juca Silva. Com Anita, formará o par amoroso que,
em ingênuo e inesperado encontro, se faz juras de amor. Trágicas
circunstâncias, favorecidas pela guerra, irão separá-los até que os
mal-entendidos se desfaçam.
Embora a maior
parte das ações que se sucedem sejam de índole guerreira, suas razões, poucas
vezes, obedecem aos ideais revolucionários. Então, um apanhado de perfis, um
emaranhado de relações, de amizades fiéis, de interesses econômicos e de
envolvimentos afetivos delineiam, nas ações e nas palavras, universos díspares,
desencontrados. O capitão Álvaro, espalhando incêndios e ruínas e mortes no
desfraldar da própria bandeira, escamoteada sob a bandeira tricolor da
Revolução; o estancieiro João Ramiro, lançando-se à corrente revolucionária
para contê-la nos seus excessos.
Certezas e dúvidas se expõem em diálogos que irão compor o painel da
luta, mostrando-a nas suas contradições.
Quando Juca
Silva chega na casa do primo para comunicar que, aderindo à Revolução, vai se
unir aos combatentes, primeiro escuta palavras indignadas: -Que é isso, homem, você está sonhando ou acordado? Quer ser
farroupilha? Caramba! Não tem as maneias nos pés! Vá, mate, estaqueie, queime,
roube, apraz-lhe isso? Está pesteado do juízo, o pobre!. Seus argumentos,
porém – os farrapos são soldados que
defendem a liberdade, ameaçada pelos monarquistas e que preferem dar o corpo aos corvos e aos caracarás do
que viver sem honra, antes brigar nos campos do que dormir como porcos na lama
da tronqueira – irão convencer o primo e fazê-lo, também, um adepto da
Revolução. Estão prestes a partir quando são interrompidos pelo pai, indignado,
e tendo como razão estarem os farroupilhas combatendo contra a lei e que El-rei
faz bem em mandar campeá-los como bois
fugidos da mangueira, que ganharam o banhado [...], e andar Bento Gonçalves
de conchavo com os castelhanos. Juca Silva não se dá por vencido e insiste, não
em seguir a castelhanada, mas os que
se proclamam livres e testemunha sobre as palavras do general, sobre a sua
altivez, mesmo traído e na condição de prisioneiro.
No
capítulo IX, o rico estancieiro João Ramiro chama Juca Silva e o vaqueano
Manuel Serrano, homens de confiança, para exprimir suas incertezas a respeito
da rebelião: que pedindo aos chefes uma
exposição de princípios e fins da guerra em que andam tão acesos, como
reposta obteve palavras sonoras que
prestam para concitar o povo, proclamações teatrais que o levaram à convicção de que muitos generais – senão
todos – ignoram o que fazer se forem vitoriosos. E que nem o governo do Rio sabe o que faz ou pode levar a cabo o que quer,
nem o governo de Piratini conhece os caminhos pelos quais barafustou na
confusão do combate. Continua desabafando as suas dúvidas sobre as origens
da luta (desgostos e ódios acumulados pelos governos estúpidos ou despóticos,
legítima defesa, desforra pessoal) e conclui que, para ser ouvido pelos
generais, a sua espada tem que pesar na balança das batalhas. Assim, se decide
a lutar. De seus interlocutores, na verdade, ouvintes de seu longo monólogo,
Juca Silva não apenas se mostra de acordo com o que escutara – o que eu quero é a liberdade dos nossos
pagos – mas estipula a sua linha de conduta: que eu
não quero, e comigo não contem para isso, é combater os caramurus à traição
como o canguçu que se esconde na guaxima para saltar pelas costas da rês que
vai descuidada. Linha de conduta que é comum à de outros campeiros gaúchos que, antes de partir
para a luta contra os legalistas, já haviam estipulado que se acabe com eles brigando no campo frente a frente e não pelo
traiçoeiro [...].
Mais
adiante, num capítulo em que aparecem personagens históricos, após uma reunião
em que estiveram presentes os principais chefes rebeldes, convocados por Bento
Gonçalves, no intuito de estabelecer, entre eles, a unidade e a harmonia, João Ramiro que nela se insinuara, assume a
voz da razão para enumerar as fragilidades do movimento revolucionário: não tem
exército porque não há comando efetivo; não tem chefes porque não existe subordinação.
Grandiloqüente será a resposta de Bento Gonçalves e feitas de entusiasmo as
palavras que ao General dirige Garibaldi.
Nas
vozes dos personagens, pruridos éticos, ódio a exigir represálias, vontades
perseguindo a realização de sonhos, a lógica da razão conduzem, então, o relato
de Oliveira Belo. No seu âmago, o desejo de escrever a História
da Revolução Farroupilha, cuja derrota faz dizer a um personagem: Muito heroísmo semeado no rochedo.

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