Vinte anos se
passaram desde que foi publicado, pela Martins Livreiro de Porto Alegre, O
menino submerso, coletânea de vinte e dois sonetos (à qual se acrescem dez
poemas), introduzidos por um breve texto: Fiquei
para sempre com este ar de guri desconsolado / A olhar, a olhar o terreno
baldio / Donde o circo partiu um dia antes...
Na
verdade, o guri desconsolado é esse menino submerso de um título que
introduz a busca de Afif Jorge Simões Filho: a infância perdida. Porque, se os
seus versos se detém no tempo que passa e na solidão, nas ausências e nos
amores, ao longo deles se irá completar esse retrato que, acaso, pretendeu
terminado. Mas, cujos traços se encontram nos cenários que inventa – um
descampado de pedras, uma praia silenciosa e deserta, umas ladeiras de sonho –
ou que a lembrança pontilha de tons luminosos: flor silvestre, ovelhas e balidos, paz campestre, cheiro bom de
pastos florescidos, rumina o gado
manso e distraído, olor casto de
estábulo, prados floridos. E nos
detalhes de um perfil: cabelos que embranquecem, olhar que se perde ou se
cansa, mãos que ficam pálidas, dizem de um tempo que passou, de um ser
solitário e em meio a muitas ausências que, na verdade, se entrega nas
confissões doloridas, enleando-se em sentimentos que vivem na lembrança ou
aspiram realizar-se. Os pais já não estão, os afetos e a velha casa não mais
existem e as mulheres que amou, trilham outros caminhos. E os amores são feitos
de anseios da presença feminina - Falta a
tua presença ardente que resume / Todo
o esplendor da vida e toda a primavera
- e do enlevo que ela pode
oferecer.
Embora
pairem tristezas e melancolias em todos os sonetos, pois ao poeta ninguém
escuta e a solidão o tornou amargo e
porque o seu canto não é mais grito e a
felicidade foi perdida, porque trança rugas o
tempo tecedor é no “Soneto ante a tapera de meus pais” que se eleva,
intensamente emocionado, o lamento sobre o que foi e não retorna. Um antes e um
agora no conflito que o passar do tempo determina: o esboroar-se de um mundo (madeira podrida, triste alvenaria em decadência, extintos
figurantes, pais distantes),
num mundo que continua a ser igual (são diversos os bois, mas o mugido / É o
mesmo. O mesmo arroio entre amarilhos, no seu longo soluço enternecido / o arvoredo alto...). Nesse mundo que
existe e não existe, vencido pelo inevitável, o adulto a carregar dentro de si o eterno menino, o menino submerso que deseja a liberdade das lágrimas para chorar o
quê a vida legislou: a perda da infância, a perda dos pais, a perda do primeiro
ninho. Então, entre as lembranças do bem que passou e o presente, envolto no
imutável e povoado de vazios, as certezas que os dois últimos versos enunciam: Que todas as moradas são exílios, / E aqui,
onde eu não moro, é que é meu lar.
E nesses versos se configuram a síntese perfeita de toda a emoção expressa nas
estrofes anteriores e a obediência às leis da métrica tradicional que pede
assim, numa expressão intocável, finalize o soneto.
Em
decassílabos, próprios do soneto clássico, “Soneto ante a tapera de meus pais”
não transporta a rima para o segundo quarteto e nos tercetos as dispõe
livremente, como o permite a estrutura do soneto moderno numa junção que,
aliada ao domínio da palavra – reconhecido por Mario Quintana, Carlos Nejar e
Eduardo Degrazia, membros da Comissão Julgadora que lhe concedeu o prêmio
Apesul Revelação 78 –, justifica figurar o seu autor, um gaúcho de São Sepé,
entre os sonetistas famosos da Literatura Brasileira, como bem o lembrou Carlos
Reverbel ao assinar o prefácio de O menino submerso.

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