Por vezes
exalam perfumes, se vestem de cores. Ou, apenas, se justificam pelos pássaros
que pousam em seus ramos. Em O Fiel e a pedra, mais do que se inscrever
na paisagem, as árvores têm o significado que Bernardo e Teresa lhes conferem.
Bernardo, passada a surpresa que os tiros de tocaia lhe causaram, caminha
devagar e chega perto dos cajueiros que, floridos, liberavam um cheiro
de resina de castanhas, levando à lembrança de sua mãe a tirar a casca dos
cajus, pô-los num alguidar e depois, a secar ao sol. Teresa, ao chegar na casa,
forte construção branca, de telhado quase negro, onde ela e o marido iriam
morar, iniciando uma vida nova, viu as duas
mangueiras raquíticas, já velhas, de
poucas folhas e que pareciam jamais haver florido. No quintal, apenas uma
groselheira e, mais distante, um grande laranjal. No topo da colina, podendo
serem vistos da cozinha, os eucaliptos. Eram treze, ainda novos. Para Teresa,
que logo os vira, significavam uma compensação: Oscilavam sob os ventos do entardecer. As sombras de alguns, desciam
sobre o laranjal, animavam o quintal abandonado, faziam estremecer as paredes
da cozinha. Os reflexos de ouro e violeta do sol davam às suas folhas, àquela
hora, uma aparência de plumagem. Seus troncos macios brilhavam como de
porcelana. Teresa, dentro do coração, teve o sentimento que nos meses que
viriam, iria ter, nessas árvores que se pareciam com ela no talhe, companheiras
fiéis. Elas iriam crescer e ela poderia saber, pela altura das folhas, o tempo de sua reclusão. Pois aquela não
era sua casa e ali cumpriria, junto com Bernardo, apenas um tempo. O destinado
a obterem meios para viver, alhures, melhor. Daí esse consolo na visão das
árvores que encontra Teresa, um traço a completar-lhe o perfil de mulher que se
adapta aos percalços da vida.
No
mesmo ano em que recebia as provas de O Fiel e a pedra para corrigir,
Osman Lins vivia a sua experiência na Europa. Seis meses em que, partindo,
sempre, de Paris, onde foi bolsista da Aliança Francesa, viajou pela Itália,
Espanha, Suíça, Bélgica, Holanda. Do que viu, deixou testemunho: Marinheiro
de primeira viagem. Nele, breves cenas de rua, gente com as quais cruzou,
rápidas descrições da paisagem no que ela tem de cambiante, de transitório.
Assim, as árvores. Embora note, por vezes, somente a sua presença (poucas árvores numa paisagem do interior
da França; uma fila de árvores cuja espécie desconhece, levando à pergunta que árvores são essas?) ou as reconhece (macieiras
brancas, castanheiros, laranjeiras plantadas em tinas enormes; o salgueiro chorão a se
inclinar romanticamente sobre as águas,
ostentando seu verde claro e rutilante,
como das esmeraldas) é, sobretudo, nas mudanças que sofrem com as estações
que ele irá se fixar. Porque, ao chegar na Europa, em pleno inverno, encontrou
essa realidade desconhecida para muitos habitantes dos trópicos: as árvores sem
folhas. Que meses depois, veria reverdecerem, brilhando em pequenas folhas verdes, revestindo-se de uma penugem de verde ou de vermelho[...]. Causando-lhe a surpresa de
descobrir, inesperadamente, essa renovação: Já
não eram as árvores desnudas de janeiro ou de dois dias antes, ou da véspera.
Envolvia-se uma espécie de nuvem rósea, os brotos estouravam, contavam-se aos
milhares os pontos cor de vinho. Um coro vegetal, todas as árvores cantando, naquela tarde, a canção do
fim de inverno. Julga compreender que, no mundo das incertezas, a primavera
jamais falta ao encontro prometido, razão das festas com que, desde sempre, foi
recebida pelos homens. Mas, principalmente, se trata, para Osman Lins de uma
transformação que lhe aponta a passagem desse tempo que se escoou. No seu
último passeio pelo parque de Luxemburgo, antes de voltar ao Brasil, ele
constata: Deixava todas verdes aquelas
árvores que, seis meses atrás, encontrara
desnudas.
Depois,
em Portugal, já quase embarcando irá, ainda, registrar o transitório: das
frutas, das flores e dos tons avermelhados nas vinhas, anunciando o outono.

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