Mexicanos,
chilenos, centro-americanos, viviam nos bairros pobres despovoados que
apareciam como fungos perto de São Francisco. Ali se ouvia, à noite, o palpitar
das guitarras e as canções do continente moreno. Logo, essa abundância de
estrangeiros, de ouro, de canções e de alegria suscitou a violência. Os
norte-americanos formaram associações de guardas brancos que chegavam de noite sobre
essas casas, incendiando, arrasando e matando. Pablo Neruda em Para nacer, he nacido.
Os
versos são de Pablo Neruda. A música, de seu compatriota Sergio Ortega: Fulgor
y muerte de Joaquin Murieta, trinta e seis anos depois de sua
estréia em 1967 é, outra vez, encenada em Santiago do Chile.
Melodrama,
ópera, pantomima, hesita Pablo Neruda. Ópera chilena, define o compositor. Drama, música, canto, teatro e orquestra?,
se pergunta Sebastián Ferrada, ao escrever sobre a apresentação que se deu no
Teatro Municipal, no passado mês de junho. Sem dúvida, um espetáculo muito
especial. Pelas questões que faz surgir em relação ao personagem (Joaquín
Murieta realmente existiu? Era um mexicano ou um chileno?); ao gênero musical a
que pertence a obra (ópera, drama musical, cantata popular?); às dificuldades
de montagem na qual participam (entre o coro, a orquestra, os cantores, o corpo
técnico, os atores), mais de duzentas pessoas; aos seus cenários, muitas vezes
trocados, ao seu guarda-roupa de mais de quinhentos trajes. E a sua complexa
partitura onde se misturam diferentes estilos (canto lírico, cuecas, tango,
jazz, salsa e cachimbo), onde estão presentes inúmeros instrumentos de
percussão e muitas variações musicais e simultaneidade de diversas vozes. Há
vários coros: dos vendedores de jornal, dos marinheiros, dos bêbados, dos
assaltantes, dos garimpeiros, dos homens, das mulheres, o coro funerário. Há as
canções: a masculina, a feminina. Há as cantoras: a negra, a loira, a morena. E
há as três canções que não fazem parte da obra, mas dela tampouco estão longe
e, talvez, a conduzam: a “Canção masculina”, a “Canção feminina”, a “Canção”
que podem ser cantadas, segundo a orientação que as introduz, diretamente para o público, na sala ou no
foyer antes de se iniciar o espetáculo ou durante os entreatos.
Elas remetem a
um presente que se enreda no passado a visar, principalmente, o futuro. Na “Canção
masculina”, a afirmação hoje matam negros,
do primeiro verso, se completa pelas expressões como e antes que
se referem ao que acontecia com os mexicanos,
chilenos, nicaragüenses,
peruanos, vítimas todos dos gringos. Até que passa um cavalo de seda e Joaquín Murieta disputa o terreno, encara
o inimigo e o desafia: e como duas
amapolas / se acenderam suas pistolas. Na “Canção feminina”, seu nome já é
citado no primeiro verso e como o defensor de sua gente e cuja arma é a de um
valente, cujas mãos, agrestes, cujos olhos, vingadores. Expressões que o
desenham antes de lhe justificar os atos ou de desejá-los: Que mate os que mataram.
A “Canção”
completa a trilogia. Já está liberta da figura/mito de Joaquín Murieta para se
fixar mais longe em tempo e espaço definidos: Vietnam e Espanha, presa dos
nazistas que sempre serão, ainda, mais amplos, pois, na verdade, pouco muda Porque
manejam a História / os cruéis e os ariscos. E, assim, não importa que os
versos se fixem nas vítimas do momento e lembrem da responsabilidade dos
humanos para com os humanos: todos os
olhos do mundo / morrerão / porque o mundo está morrendo / no Vietnam.
Porque diante das dicotomias que reinam – Bem e Mal, Paz e Guerra, Opressor e
Oprimido – não perderão nunca a atualidade. Porém, Pablo Neruda interroga: Algum dia / terminará a agonia?, Terminará a
crueldade / e reinará a alegria? E o que lhe é também muito próprio,
cultiva certezas. E elas, nos seus versos, proclamam a alegria, a rebelião, a
luta.

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