E beijando seu corpo caído, fechando os olhos
daquela que / foi seu roseiral e sua estrela, jurou estremecido matar e morrer
perseguindo o injusto, protegendo o caído.
Apresentada
pela primeira vez em 1967, como cantata – poema lírico acompanhado de música – Fulgor
y muerte de Joaquín Murieta, peça dramática de Pablo Neruda, musicada por
Sérgio Ortega, emocionou o publico. A música foi num crescendo até ficar com
todos nós, disse, na ocasião, Pablo Neruda. Em 1994, o compositor decidiu
transformá-la numa ópera, cuja estréia, quatro anos depois, se deu no Teatro
Municipal de Santiago. Agora, no passado mês de junho e no mesmo cenário, foi
novamente apresentada. Agustín Squella, no El Mercúrio do dia 17 de
julho passado, de Santiago, comenta essa apresentação: Há algumas semanas, quando no Municipal de Santiago, caiu a tela de uma
das funções da ópera Fulgor y muerte de Joaquín Murieta, tive a impressão
de que os aplausos do público convidado eram escassos, embora não pela montagem
da obra ou a qualidade dos intérpretes, mas, como eu entendi, pelo desconforto
dos assistentes diante do texto que enaltece a figura de um bandido, ou talvez
apenas de um rebelde por cuja cabeça o governo norte-americano da época oferecia cinco mil dólares. Uma reação que
demonstra, vivamente, a atualidade dos versos de Pablo Neruda, cantando o
destino de Joaquín Murieta: domador de cavalos que sucumbiu à atração do ouro
na Califórnia e, com outros chilenos, embarcou para os Estados Unidos nos
meados do século XIX. No navio, se apaixona por Teresa e ao desembarcarem já
estavam casados. Mal começara a sua luta em busca do ouro quando, um dia,
ausente de casa, muitos homens com o rosto coberto por um capuz a invadiram,
violaram e mataram sua mulher. Joaquín Murieta se transformou num chefe
bandoleiro e o governo norte-americano – terá punido os culpados? – oferece um
prêmio pela sua cabeça.
Seis
quadros compõem a obra: “Porto de Valparaíso. Partida”, “A travessia e a boda”,
“O Fandango”, “Os galgos e a morte de Teresa”, “O fulgor de Joaquín”, “Morte de
Murieta”. O quarto quadro se inicia com a Voz do Poeta, anunciando o que irá se
passar: os homens chegando e batendo na porta, botando-a abaixo com empurrões e
pontapés, os gritos de Teresa pedindo socorro e o seu silêncio e o chamado de um
dos homens na porta da casa (Come on)
para os seis ou sete que esperavam e que também entram na casa. Ouvem-se tiros,
eles saem em disparada depois de por fogo na casa. A fumaça atrai homens e
mulheres que, procurando salvar pertences, encontram Teresa violada e morta.
Vozes se elevam para dizer que é preciso avisar Murieta. Segue-se um longo
silêncio antes de seu grito doloroso e trágico. O coro feminino diz da vingança
que ele clama, enceguecido. Vingança que irá executar no quinto quadro onde a
canção masculina irá completar o que o cenário, com as silhuetas dos enforcados
e o ruído de cavalgadas, mostra: Com o
poncho embravecido / e o coração destroçado/ galopa nosso bandido / matando
gringos malvados. Logo um recitado enumera os caídos (um, dois, sete) e
três solistas interrogam o público – onde está Joaquín Murieta? Onde estão seu cavalo e seu raio e seus olhos ardentes? – indicando um paradeiro
desconhecido e repetindo o que ele procura: vingar
seu povo, sua raça, sua gente. E contam como as mulheres o protegem,
esperando (a viúva, a irmã, a mãe) serem, também, vingadas e decretam: Galopa Murieta e incitam à vingança.
Elas se retiram e se iniciam as cenas em que os homens pretendem segui-lo, em
que o índio quer lhe pedir ajuda para o seu povo em que os norte-americanos
decidem a sua morte. Retorna o coro feminino para predizer que a sua hora está
próxima e a Voz do Poeta lhe defende as ações: justiça se chama a ira de meu
compatriota Joaquín Murieta. O que a voz coletiva irá reafirmar no quadro
seguinte, referindo-se a ele como raio de
janeiro a vingar os seus, e às suas mãos que vingaram tantas ofensas, a seu sangue, vingador e verdadeiro, e às suas razões: Ela morreu assassinada / e ele, para vingar sua beleza, / chegou a
tanta desventura. E, também,
desenhando-lhe um perfil – um valente,
um heróico acurralado, filho ensanguentado e sangrento do ouro e da
fúria terrestre, encurralado e
vencido pelo ódio e pela cobiça –
dar outro significado ao de bandoleiro que pretende justificar as perseguições
e a emboscada final e o opróbrio de lhe terem cortado a cabeça e a exibido numa
feira.
Pablo
Neruda quis livrá-lo do esquecimento que lhe votou a pátria – A pátria esqueceu aquele espanto e sua pobre cabeça cortada e caída – e lhe
canta o amargo e violento destino, convicto de que, o trazendo de volta ao Chile,
nos seus versos, o Povo vai repetir a sua longa
cantata de luto.
Ainda
que impere o desagrado e o silêncio dos bem-pensantes.

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