domingo, 30 de março de 2003

Frida Kahlo por Carlos Fuentes


...admitir que há trilhos mas usá-los para escapar, para se liberar...
                                                           Frida Kahlo na narrativa de Carlos Fuentes. 

Existe liberdade, exclamava Laura Díaz sentindo que algo de novo acontecia no México com o governo revolucionário de Obregón ao constatar que o ministro da Educação tinha entregue os muros dos edifícios públicos aos pintores  para que fizessem o que fosse de seu agrado: ataques ao clero, à burguesia, à Santíssima Trindade, ao próprio governo que os pagava. Para vê-los trabalhar, Laura Díaz vai até onde Orozco e Diego Rivera estavam pintando os seus murais. Carlos Fuentes, no romance Los años con Laura Díaz (Alfaguara, 1999), pelo olhar de seu personagem, esboça um Orozco tolhido, míope, de lábio severo e cenho áspero e um Diego Rivera, sapo imenso, gordo, alto com os olhos saltados [...]. O primeiro somente tinha a atenção voltada para o que fazia; o segundo, a percebe sentada nas escadas do Palácio Nacional é tocado pela sua beleza e a interpela. Quando, porém, outra vez, toda vestida de preto, de luto pelo pai, ela vai para vê-lo trabalhar, um dos assistentes do pintor pediu que se retirasse, pois Diego Rivera tinha medo do azar e não podia pintar e exorcizar a sorte ao mesmo tempo.

            Mais tarde, tendo abandonado o marido e tendo sido abandonada pelo amante, num impulso, chega na casa do pintor, pedindo teto e trabalho. Ele, outra vez, reage com o luto que ela, por outras razões, vestia e lhe diz para pedir emprestado a sua mulher algo mais colorido. Então surge Frida Kahlo, descendo as escadas do estúdio, mostrando-se à Laura Díaz com seus colares, medalhas, anéis, sua ampla saia de camponesa, seu cabelo preto trançado com tiras de lã. Pisa em falso, Laura Díaz corre para ajudá-la e lhe toca a perna seca, descarnada que ela esconde, como seu andar de renga, sob as saias longa. Era na véspera da viagem aos Estados Unidos onde Diego Rivera, convidado por Heny Ford, devia pintar um mural no Instituto de Artes de Detroit e ela contrata Laura Díaz para ir junto e ajudá-la. De trem, seguiram viagem, atravessando, primeiro, os desertos mexicanos e, logo, as imensas planícies dos Estados Unidos. Enquanto o trem corria, Frida Kahlo contava a Laura Díaz seu tempo de adolescente, quando se vestia de homem e com o grupo de rapazes de que fazia parte, percorria a cidade do México para descobri-la nas suas largas avenidas e ruelas escuras e cheias de surpresa..., procurando companhia, amizade e, principalmente, eludir a solidão. E sobre esse dia de setembro de 1925, quando um bonde bateu no ônibus em que ela viajava. Um acidente que a quebrou inteira e de cujas seqüelas jamais foi liberada, escondendo-as nas amplas mangas e nas saias compridas.

            Nos Estados Unidos, enquanto Diego Rivera se jogava no seu trabalho de pintar homens e máquinas, Frida Kahlo se fazia ajudar por Laura Díaz tanto para se vestir como para comparecer às festas oferecidas pelos milionários da indústria ou para ir se divertir com os filmes do Gordo e o Magro. Numa das vezes, no cinema, expressando-se no entusiasmo do riso, das lágrimas, das exclamações, de súbito gritou porque estava se sentindo mal. Perdera o filho que estava esperando. No hospital, Diego Rivera pede que lhe dêem cadernos, lápis, aquarelas. Começou a pintar rápida e febrilmente, enchendo o quarto de papéis e do cheiro das cores, expressando, como bem o compreendeu Diego Rivera, toda a verdade, o sofrimento, a crueldade do mundo [...]

            Uma flor exausta, mas em expansão a irá definir Carlos Fuentes. E lhe atribuindo palavras e confidências e lhe desenhando os gestos para reinventá-la, procura as verdades de seu coração e um pouco desse momento em que viveu num México fervilhando de idéias e de impaciências cuja história da arte somente será completa com os jogos de cores e de formas que ela inventou.

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