...admitir que há
trilhos mas usá-los para escapar, para se liberar...
Frida
Kahlo na narrativa de Carlos Fuentes.
Existe liberdade, exclamava Laura Díaz
sentindo que algo de novo acontecia no México com o governo revolucionário de
Obregón ao constatar que o ministro da Educação tinha entregue os muros dos
edifícios públicos aos pintores para que
fizessem o que fosse de seu agrado: ataques ao clero, à burguesia, à Santíssima
Trindade, ao próprio governo que os pagava. Para vê-los trabalhar, Laura Díaz
vai até onde Orozco e Diego Rivera estavam pintando os seus murais. Carlos
Fuentes, no romance Los años con Laura Díaz (Alfaguara, 1999), pelo
olhar de seu personagem, esboça um Orozco tolhido,
míope, de lábio severo e cenho áspero e um Diego Rivera, sapo imenso, gordo, alto com os olhos saltados [...]. O primeiro somente tinha a
atenção voltada para o que fazia; o segundo, a percebe sentada nas escadas do
Palácio Nacional é tocado pela sua beleza e a interpela. Quando, porém, outra
vez, toda vestida de preto, de luto pelo pai, ela vai para vê-lo trabalhar, um
dos assistentes do pintor pediu que se retirasse, pois Diego Rivera tinha medo
do azar e não podia pintar e exorcizar a sorte ao mesmo tempo.

Mais
tarde, tendo abandonado o marido e tendo sido abandonada pelo amante, num
impulso, chega na casa do pintor, pedindo teto e trabalho. Ele, outra vez,
reage com o luto que ela, por outras razões, vestia e lhe diz para pedir
emprestado a sua mulher algo mais colorido. Então surge Frida Kahlo,
descendo as escadas do estúdio, mostrando-se à Laura Díaz com seus colares,
medalhas, anéis, sua ampla saia de camponesa, seu cabelo preto trançado com
tiras de lã. Pisa em falso, Laura Díaz corre para ajudá-la e lhe toca a perna seca, descarnada que ela esconde,
como seu andar de renga, sob as saias longa. Era na véspera da viagem aos
Estados Unidos onde Diego Rivera, convidado por Heny Ford, devia pintar um
mural no Instituto de Artes de Detroit e ela contrata Laura Díaz para ir junto
e ajudá-la. De trem, seguiram viagem, atravessando, primeiro, os desertos
mexicanos e, logo, as imensas planícies dos Estados Unidos. Enquanto o trem
corria, Frida Kahlo contava a Laura Díaz seu tempo de adolescente, quando se
vestia de homem e com o grupo de rapazes de que fazia parte, percorria a cidade
do México para descobri-la nas suas largas
avenidas e ruelas escuras e cheias de
surpresa..., procurando companhia, amizade e, principalmente, eludir a
solidão. E sobre esse dia de setembro de 1925, quando um bonde bateu no ônibus
em que ela viajava. Um acidente que a quebrou inteira e de cujas seqüelas
jamais foi liberada, escondendo-as nas amplas mangas e nas saias compridas.
Nos
Estados Unidos, enquanto Diego Rivera se jogava no seu trabalho de pintar
homens e máquinas, Frida Kahlo se fazia ajudar por Laura Díaz tanto para se
vestir como para comparecer às festas oferecidas pelos milionários da indústria ou para ir se divertir com os filmes do
Gordo e o Magro. Numa das vezes, no cinema, expressando-se no entusiasmo do
riso, das lágrimas, das exclamações, de súbito gritou porque estava se sentindo
mal. Perdera o filho que estava esperando. No hospital, Diego Rivera pede que
lhe dêem cadernos, lápis, aquarelas. Começou a pintar rápida e febrilmente, enchendo
o quarto de papéis e do cheiro das cores,
expressando, como bem o compreendeu Diego Rivera, toda a verdade, o sofrimento, a crueldade do mundo [...]
Uma flor exausta, mas em expansão a irá
definir Carlos Fuentes. E lhe atribuindo palavras e confidências e lhe
desenhando os gestos para reinventá-la, procura as verdades de seu coração e um
pouco desse momento em que viveu num México fervilhando de idéias e de impaciências
cuja história da arte somente será completa com os jogos de cores e de formas
que ela inventou.
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