domingo, 9 de março de 2003

Diálogos didáticos na ficção do Continente.Carlos Fuentes


            Los años com Laura Diaz é a história de uma vida que, entrelaçando-se com outras, se adentra no século XX  e o percorre,  fazendo dele, também, um personagem.

            Laura Díaz nasce numa propriedade rural do México e vai descobrindo o mundo. O que lhe está próximo e esses outros onde vai chegando – Xalapa,  cidade do México, Detroit, Lanzarote – mergulhada no seu fado. Sempre à sombra dos homens a quem ama, será testemunha de idéias e das lutas que por elas livram os homens até descobrir, tardiamente,  o próprio caminho. Escuta, percebe, critica, se opõe, constata significados que se lhe deparam nos diálogos e monólogos cujas temas – a Revolução Mexicana, o império nazista, a Guerra da Espanha – tanto quanto os interrogantes sobre a justiça, a beleza, a fé, as possíveis verdadeiras razões que estão na origem dos fatos, esboçam momentos e determinantes históricos dos anos que se sucedem. 

            Haja visto a tradicional postura dos estudiosos que pertencem aos pólos irradiadores de cultura  -  não somente possuem meios de realizar  pesquisas como os de publicar os resultados, quase sempre,  aceitos, sem senões,  pelo resto do mundo – que, muito raro, se ocupam de temas que não sejam aqueles relacionados ao seu próprio mundo, a Revolução Mexicana que desatou todas as forças adormecidas do país não ocupa o lugar que merece, sobretudo no que se refere ao seu ideário, indiscutivelmente inovador. No México, alimenta fortemente  o texto  ficçional e a tal ponto que é possível falar do “romance da revolução”. Em Los años com Laura Díaz sua presença é algo de distante – não mais descrições de lutas e ações heróicas como em Gringo viejo (1985),  – mas irá se impor com essa outra realidade em que também cabem os operários e a sua luta. Uma vertente expressa por Juan Francisco Lopes Greene, marido de Laura Díaz, líder da classe operária. Na primeira vez que encontra numa festa aquela que irá ser a sua mulher lhe conta como se organizou a luta operária na Revolução, começando nas fábricas e nas minas e lutando contra a ditadura de Huerta. Está convicto de que os camponeses que tem nos chapéus a imagem da virgem, assistem a missa de joelhos, não são modernos e sim católicos e rurais e reacionários. Que os verdadeiros revolucionários são os trabalhadores. Na voz do amigo que o levara à festa, outras verdades, expressando as contradições de uma revolução contraditória num país contraditório. E outra vez Juan Francisco, amparando-se no pronome “nós”, reafirma a força do operariado frente ao poder que até concede aumento de salário, jornada de oito horas semanais, semana de seis dias mas não a democracia. Mais tarde, já casados, na cidade do México,  ele fala à multidão, no dia 1 de maio de 1922, para exigir o cumprimento do artigo 123 da Constituição onde pela pela primeira vez na história da humanidade o direito ao trabalho e à proteção ao trabalhador tem a força de lei.  Em casa, ele reúne os amigos do Sindicato e nas discussões se elevam suas vozes, a  eloqüência que havia estado emudecida durante séculos inteiros,  percorrendo, na intenção de entender, os meandros da busca pelo poder que termina por destruir toda e qualquer boa intenção até que, por fim,  o anfitrião argumenta: - Camaradas, a nós o que importa são as coisas muito concretas, a greve, os salários,  a jornada de trabalho, e logo obter outras conquistas como as férias pagas, a maternidade remunerada,  a estabilidade social. Não percam isso de vista, camaradas. Não se  percam nos abismos  da política. Depois,  o filho já moço, que ele instrui sobre a história do movimento operário no México, existente já em 1867,  quando foi celebrado o primeiro Congresso Geral  Operário da República Mexicana. E mais tarde,  explica a sua mulher que o questiona, da dificuldade em manter a fama de revolucionário valente e de conservar  o heroísmo quando a idade e as circunstâncias  já não o permitem.  É quando o homem se sobrepõe, então, ao  papel que representa e numa frase sintetiza esse destino que, sem perdão, condena o homem, ainda que persiga utopias:  Todos lutamos pela Revolução  contra a injustiça mas também contra a fatalidade.  O que significa não  querer continuar a ser pobre, humilhado, sem direitos, crescer com fome, repartir o mísero espaço com muitos, ver a mãe tornar-se  uma anciã aos trinta anos.

            Alongam-se os diálogos, se interrompem para reaparecer páginas adiante. Os personagens se extraviam nos seus sentimentos e nas suas razões. O ritmo narrativo se torna lento e o desejo de esclarecer ou convencer, prevalece, então, num relato  que ao se desejar realidade e testemunho, elimina, por vezes, as fronteiras entre o elemento ficcional e o dialético/didático.

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