São
quatro sob o céu de verão, já no cair da tarde: o sargento Picucho, comandante
do Piquete, Chico Romildo, Pedro Canhoto e Zé Bigode. Tinham as armas muito mal
escondidas sob os ponchos – quem não iria desconfiar do uso do poncho em pleno
mês de dezembro – e deviam chegar no lugar do pouso, ainda no começo da noite,
cumprindo o que determinara o capitão Jacinto Ribas. Pois se ele mandava, assim
tinha que ser mesmo que ardessem de sede,
enfraquecessem de fome, as goelas doendo, os olhos vermelhos, cantis vazios
desde o meio dia. Ali esperariam os demais companheiros até partir ao encontro
da Coluna, para outra vez lutar pela Causa. A Causa que no conto “O molho
pardo” de Manoel Braga Gastal (publicado no Letras e Livros do Correio
do Povo de Porto Alegre, em 3 de abril de 1982) não é esclarecida. No
entanto, os que a defendem o fazem com muita coragem. Seus feitos são
relembrados pelo sargento Picucho, no cavalgar a passito, as rédeas soltas
e não são poucos, nem pequenos, porém muito em acorde com o jeito do capitão a
quem seguem. Um capitão valente que prefere lutar com menos gente do que os
inimigos, explicando: Não sei peleá com
muita gente atrapaiando. Não consigo me mexê. E que distribui cem balas a
seus soldados porque no seu entender Quem
precisa de mais de cem tiros é porque não sabe peleá. Macho nem percisa de tanto.
Entre
o tempo que dura, do entardecer de calor de sol ardendo em que o cansaço os tornava
calados, como se cada um andasse solito por
aquelas imensidões de campo, até o começo da noite, quando chegando ao
destino teriam a sombra da figueira, a água da fonte, a carne no fogo, o relato
vai precisando um universo: o dos campos da fronteira com seus tipos humanos,
suas ações de combate, sua parca visão de mundo, seu culto à coragem, sua fiel
adesão mais a um chefe do que aos princípios por ele defendidos. Breves
seqüências a definir o essencial de cada um, a informar como encaram os
encontros com o inimigo, esses milicos bem montados, com os fuzis novos brilhando no sol mas que
precisam de um vaqueano do lugar para lhes orientar o rumo.
Inesperado, o sentimento de Picucho em relação a um
dos homens que comanda, o Zé Bigode. Seu verdadeiro nome ninguém sabe e seu
passado ninguém conhece embora constasse que tinha sido sangrador numa
charqueada antes de ser soldado. O que decerto lhe norteava a convicção de que
nenhum prisioneiro deve ficar para contar a história: O mió mesmo era botá gravata vermeia neles. E foi assim, que num descuido do capitão, degolou três e só
não foi mandado embora porque era de muita
percisão na tropa. Mas o sargento Picucho não pôde olhar para ele durante
muito tempo, tampouco esquecer os gritos dos homens, os seus olhos esbugalhados
e nem a visão do sangue, escorrendo da garganta. Quando os quatro chegaram onde deviam pousar, as galinhas já
estavam dormindo nos troncos da imensa arvore. Uma
cabrita e seu filhote andavam por perto, os úberes da bicha fartos de leite[...]. Depois de o ó de casa!, e de tomar muita água,
perguntaram o que havia para comer. A resposta foi que poderia ser feita uma
galinha ao molho pardo: É só pegar duas
bichinhas que estão aí dormindo. Gosta de molho pardo, sargento? A gente
degola, já, já, umas duas franguinhas.
A fome dos recém chegados é sofreada
nesse diminutivo que designa as pequenas possíveis vítimas. O sargento Picucho engoliu em seco..., Romildo fez cara de nojo e Pedro Canhoto
esfregou o estômago. Só o velho sangrador
de gado se dispunha, avidamente a aceitar a oferta. Era o único voto pelo molho
de sangue da galinha. O sargento Picucho disse por fim: - Inté que não temo
muita fome, dona Vicentina. Aperferimos leite de cabrita, recém tiradinho. Zé
Bigode ia reagir, mas foi contido: -A janta é leite de cabrita, seu Zé. E isto
é uma orde.

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