As
dimensões do país, as costumeiras limitações da distribuição de livros e
periódicos e a precariedade dos serviços de biblioteca são incontornáveis
empecilhos para avaliar a receptividade de uma obra e o material crítico a ela
relacionado. Dentre outras, O Louco do Cati, uma das obras-primas do
romance brasileiro, publicado pela Globo, de Porto Alegre, em 1942 e em novas
edições, décadas depois, não recebeu muitas apreciações se forem levadas em
conta as referências que acompanham as publicações dedicadas a Dyonélio Machado
e a sua obra. No entanto, a simplicidade narrativa desse romance nos seus
breves capítulos, a linearidade da trama e a concisão da linguagem traduzem uma
impecável concepção de romance que se enriquece com não poucos recursos
estilísticos e formais. A estrutura do diálogo, por exemplo. Ela não obedece ao
usual e tampouco se prende a um esquema determinado, permitindo constatar, num
aspecto da narrativa que parece não oferecer muitas variantes, a criatividade
do romancista gaúcho. Uma criatividade que se origina desta imensa aptidão que
ele possui para perceber o outro nas suas diferenças e na sua realidade; que o
deixa atento às nuanças da expressão e aos modos como ela se faz e que está na
origem das muitas formas que ele dá à comunicação entre os diferentes tipos que
povoam o seu romance. Assim, algumas vezes, a voz do personagem é indicada pelo
travessão, enunciando uma pergunta cuja resposta é dada pelo narrador e aparece
no parágrafo seguinte (inclusive, se constituindo um parágrafo); também, laconicamente, a usar uma única palavra, no
caso, um verbo, que não acompanha o tempo daquele usado na interrogação: - Já veio a água? /Viera. Ou: -O amigo não é então de Porto Alegre? Era. Ou,
numa afirmação, que é retomada pelo narrador no parágrafo seguinte, a expressar
a sua própria opinião ou a do interlocutor ficcional: -O velho Clarimundo não é
rico, mas pode pagar... / Podia.
Em outras, acontece que a uma pergunta, a resposta só apareça implícita no texto
narrativo que se lhe segue: -Mãe, como é o nome dele? /Havendo-se informado, as crianças abalaram. Também há o caso
em que o personagem fala alguma coisa no ouvido de seu interlocutor e o que diz
não consta do relato. Nem a resposta que recebe mas, então o que diz, -Não! Que idéia..., esclarece o que fora dito, cuja explicação
aparece no parágrafo seguinte, nas palavras do narrador a exprimir aquelas do
interlocutor, antecedidas de dois pontos, mas não do travessão: De-certo ele
não tinha nada que ver com o Cati. Ainda
se haveria de saber... E, ainda, a seqüência narrativa Já havia saído do hotel. Não
dissera pra onde, oferecendo uma informação que a voz do personagem,
num diálogo tradicional de despedida (Obrigado,
até logo / Às ordens.) reafirma Além desses, há o caso da resposta, cuja pergunta não
consta nem explícita, nem implicitamente e se segue a uma seqüência narrativa: -Ele tinha a sua diária paga até o meio dia
- informava-lhe o outro, - Duas meias diárias: foi o que combinamos com o
gerente. Deve ter deixado o hotel a essa hora. Ou, outro, em que o narrador
se refere a um cômodo da casa onde o personagem seria alojado, frase que poderá
ser atribuída ao narrador ou a quem o hospedava. No parágrafo seguinte, uma
pergunta que deve ser do hospedeiro, mas que aparece sem o indicativo de
diálogo: Um sótão, habitável. Lá é que o
maluco ia se alojar. /Não ficava bem?, esclarece sobre esse cômodo em questão.
Além desses exemplos, encontram-se aqueles em que aparece apenas a afirmação de um
interlocutor indefinido, como na seqüência em que o narrador explica a maneira
com que um dos personagens negocia na feira da cidade pequena e insere, como
expressão de um feirante, a afirmativa, -Estou
pedindo o preço que eu fiz lá na pedra. Como se tratasse de uma resposta que não responde a nenhuma interrrogação e que tampouco recebe resposta. E, esse outro exemplo, em que um personagem
formula a pergunta -Em que mês você
esteve em São Paulo? e no parágrafo seguinte há uma explicação quanto à
forma como a interrogação foi feita e ao fato de que tenha um transeunte pensado que lhe
tivesse sido dirigida. Logo, o narrador explica: Depois de se informar, o coronel refletiu, calculou e chegou à
conclusão [...], isto é, a resposta a sua pergunta não foi respondida e a sua
conclusão tem a ver com os próprios deslocamentos, permanecendo sem resposta
objetiva a pergunta que fizera. Finalmente, o diálogo entre o personagem e o
garçom do café onde entrara. Não consta o pedido que foi feito, somente o que
dele resultou: Vieram os bulezinhos. Num
– o do leite – cabia só a quantidade de leite para uma média. Mas o do café não
trazia a porção exata: havia sobrado um pouco. E ele quase meteu o nariz dentro
para ver. – Tinha alguma coisa? /O garçom interpretara aquilo ao modo
habitual./O outro levantou-lhe um olhar de incompreensão./ Mas o garçom
insistia: - Alguma coisa no café?... (Alguma coisa que ele pudesse ir
imediatamente mostrar ao
copeiro...)/-Não... (A cabeça do maluco sem se dar conta do interesse do garçom
negava docemente).
Além
dessa inventiva formal, cada um dos diálogos de O Louco do Cati se
enriquece ao se constituir a expressão que desenha um perfil, quase sempre,
feito de breves traços em oposição ao personagem central da narrativa que, na
sua longa viagem, jamais pronuncia uma palavra.

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