E
quando põem abaixo, então, a velha casa em que nascemos?
Mario
Quintana

Mario
Quintana foi um citadino convicto. Nasceu no dia 30 de julho de 1906, em
Alegrete, pequena cidade, enraizada nos campos gaúchos, onde passou seus
primeiros anos. Em 1929, ele se radicou, definitivamente, em Porto Alegre e os
sessenta e cinco anos que lá viveu lhe deram a posse da cidade muito antes que
a Câmara de Vereadores lhe tivesse conferido o título de Cidadão Honorário.
Em
20 de novembro de 1982, no “Letras e Livros”, do Correio do Povo de
Porto Alegre, publica “Notas de minha cidade”, parte de seu Caderno H.
Embora sob esse título tão preciso na sua idéia de indicar posse, os nove
textos, que sob ele se agrupam, não se prendem a Porto Alegre como, por
exemplo, no soneto XXI de seu primeiro livro de poemas A rua dos Cataventos
em que se refere ao céu de Porto Alegre, dono dos mais belos crepúsculos do
mundo ou no poema “O mapa”, parte de Apontamentos de História
Sobrenatural, verdadeiro canto de amor pela cidade. Nessas notas, é,
sobretudo, a idéia de morar e de viver na cidade em mutação. Dono de uma
vivência, que lhe permite comparações, percebe as mudanças o que significa
expressar perdas na melancolia de se submeter ao irremediável.
O
primeiro texto, feito de uma frase, sintaticamente, inacabada – Ah! Os
ângulos contundentes das construções urbanas... – é um pequeno mundo
de sugestão no monossílabo inicial a exclamar significados e nas reticências
interrompendo um pensamento que irá, no entanto, se completar nos textos que
seguem. Ou na lembrança de um personagem mágico das histórias infantis (vivia
no País das Maravilhas ou na cidade de Oz, a precisão aí pouco importa), que
morava num sapato. As reticências que se seguem a essa lembrança, sugerindo as
mais diversas elucubrações, antecedem a constatação trocista, E nós que
moramos em caixas de sapatos! em que a metáfora ao designar um modelo de
morar, não é, certamente, das mais elogiosas. Sobretudo para quem se confessa,
no texto que segue, um apreciador de casas antigas, de tetos altos. Dessas que
o progresso (assim é chamado o fenômeno
que tem como condição as transformações da vida social e consiste num aumento de significado e alcance da
experiência humana) condena ao desaparecimento para, em seu lugar, erigir
edifícios, o que vale dizer, ainda que poeta não o tenha mencionado, outras
caixas de sapatos. Daí ele dizer, num poema dedicado a um amigo arquiteto, não
gostar da arquitetura nova porque ela não
faz casas velhas.... E, sempre a refletir sobre as mudanças arquitetônicas,
acaba concluindo que elas estão na origem da instabilidade social e
individual. Exemplo disso, ele diz, é o desaparecimento dos cafés onde,
entre o cigarro e as conversas, o mundo era arrasado e o sonho, o ideário, a
vida se renovavam. Com o café servido no balcão, tomado às pressas, não há
tempo para assentar as idéias porque, para isso, é preciso primeiro sentar-se... Observação que, levemente risonha,
envolve o seu dizer crítico sobre os novos tempos. Lamento que, por vezes, não
se esconde. Assim, mais sofrida e tristonha, a penúltima nota remetendo à
inquietude, à sensação de perda que advém ao passar numa rua conhecida e se dar
conta de que falta algo: um simples lanço de muro que demoliram e que tijolo
a tijolo, fazia parte de nossa construção interior, de nossa instabilidade, em
suma. O que, para Mário Quintana, não é absolutamente algo de menor. Da
cidade, que ao se transformar se perde, ele é o habitante testemunho a viver a
sua realidade mutante e seus próprios sonhos.
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