Cantigas
do tempo velho foi o seu primeiro livro, editado pela Globo de Porto Alegre
em 1959. Apparício Silva Rillo tinha vinte e oito anos e surgia na Literatura
do Rio Grande do Sul como uma das grandes vozes da tradição. Neto de
estancieiro foi no Campo Experimental de Sermentes, perto de Caí, dirigido por
seu pai, um engenheiro agrônomo, que ele se iniciou na vida campeira ao ter
contato com os peões, encarregados das tarefas diárias. E o gosto pelos
costumes da vida rural gaúcha o fez optar pela vida no interior, indo trabalhar
em Nhu Porá, distrito de São Borja onde viveu cinco anos numa convivência com
tropeiros, domadores, carreteiros, contrabandistas, jogadores profissionais que
se constituíram o embrião de seu mundo poético e de não poucas páginas de
prosa. Em 27 de fevereiro de 1982, publica no Suplemento Letras & Livros do
Correio do Povo de Porto Alegre, o conto “História de rio” que tem como
espaço o rio Uruguai. Inicia a narrativa no momento crítico da ação: Quando a
balsa de lenha rebentou [...]. Um pouco antes, os dois tratados para a tarefa –
levar a carga de lenha para São Borja – já tinham nadado para uma ilhota que
mal aparecia entre as águas do rio. Ele, seu Vicentino, lenhador, costeiro de rio, gaiteiro de bailes machos não era homem que deixasse de cumprir o trabalho
pelo qual já fora pago. Agüentou mais uns instantes na balsa carregada de toras
e mal teve tempo de amarrar o salva-vidas de corticeira antes de, por sua vez,
se atirar na água para lutar. Primeiro com as águas do rio que lhe exaurem as
forças, sem vencê-lo.Tampouco, sem deixá-lo vencedor, mas ainda capaz de tentar
salvar-se da cruzeira, arrancada das margens, pela enchente. Enroscara-se no
seu braço que, procurando um descanso, se apoiara na touceira de vegetação,
também, como ele a ser levada pelo rio. E a história que se fazia da coragem e
do esforço de um homem de setenta anos, para se salvar das águas barrentas do
rio, passa a ser também, a história do medo e da grande calma que a ele deve se
sobrepor para evitar o ataque mortal da cobra.
Trata-se de um
relato em que a ação é a passividade da espera antes do breve gesto que irá
definir o fado. Sua força está nesse personagem valente em seu corpo magro, os nervos bem domados, ligeiro como um gato que pela primeira vez se vê diante da
possibilidade da morte, a sentir seus nervos a tremer e sua calma e seu
equilíbrio se perderem a revelar um ser humano na sua fraqueza e impotência. E
sua beleza, neste contínuo encadear de achados estilísticos onde sobressaem as
comparações que, juntamente com a coragem e a honradez a desenhar o personagem
e com algum vocábulo – bagual, taura, colorado – típico rio-grandense, deixam
ver no texto de Apparício Silva Rillo a presença da tradição própria da
Literatura Gauchesca. Pois esse mundo tão perto da natureza – e o rio e o mato
– emerge na concepção das vivências: as águas do rio bufam como touro de carne líquida; o coração do homem com medo dispara como potro mordido de morcego; a árvore arrancada pela força
da água boiava como estranho bicho; a
noite se fechava como baú de couro cru.
E Vicentino, o velho taura ainda que
mateiro é, na sua visão de mundo, igual aos gaúchos das lides campeiras, a
guardar a honra da palavra dada, a enfrentar com serenidade os duros lances da
vida. No entanto, ele não adquire contorno de herói diante do insólito inimigo
e seu corpo se submete ao medo que sente. Momento em que a narrativa feita, até
então, por um narrador de posse da ação e de seu personagem, para expressar a
sua fragilidade, emprega uma segunda pessoa singular, talvez como expressão de
sua consciência (ou como expressão solidária do narrador), numa seqüência
lírica, logo abandonada, para que o relato objetivo e rápido, retome o seu
lugar para um epílogo sem indulgência. Mas, a última frase do conto – Por que dormes, Vicentino, velho taura, aguapé de carnes pela flor da enchente?revela, no vocativo de elogio e carinho, na interrogação que recusa aceitar a
morte e na metáfora a confundi-lo com a planta viva, pelo fazer literário de um
verdadeiro mestre, a emoção que se mantivera contida.

Nenhum comentário:
Postar um comentário