1973 [..] 11
de setembro: um golpe militar derruba o governo da Unidade Popular; morte do
Presidente Salvador Allende. 23 de setembro: morre Pablo Neruda em Santiago do
Chile. A opinião pública internacional tem conhecimento, com profundo estupor,
de que suas casas de Valparaíso e de Santiago, onde é velado o cadáver, foram
saqueadas e destruídas depois do golpe, pelos fascistas chilenos. “Cronologia
de Pablo Neruda” em Confieso que vivi.
Foi escrito em dias de agonia, diz Volodia Teitelboim
(Neruda, Editorial Sudamericana, 1996) quando Matilde Urutia já estava
sendo consumida pela doença. Durante um ano e meio, o livro foi surgindo, com
dificuldade, pois conforme relata José Miguel Varas (Nerudario, Planeta,
1999), embora Matilde Urrutia, contando com o poeta Gustavo Becerra para
ajudá-la, rememorasse com invejável
memória e a se expressar com fluência, seu rigor levava à verificação de
datas, de fatos, de nomes. Em novembro de 1986, com o título Mi vida junto a Pablo Neruda, o
livro foi publicado pela Seix Barral de Barcelona. Em janeiro do ano anterior,
morrera Matilde Urrutia. Sobrevivera
doze anos ao Poeta, marcada por duras e cruéis experiências vividas e pelo que presenciou nesse trágico
mundo instaurado no Chile em 11 de setembro de 1973. E o que ocorria não foi
suficiente para fazê-la partir nem
para se negar, quando solicitada mundo
afora, a dar depoimentos sobre o que ocorria a seu redor ou participar em atos políticos contra a
ditadura. De uma forma ou de outra, ela, como tantos outros, começou a resistir
ainda que, segundo suas palavras, sentindo-se encurralados entre dois medos: o medo de calar e o medo de ser
castigada por rechaçar a injustiça.
E se o seu livro de memórias, principalmente, é um testemunho sobre a história
de amor que viveu com Pablo Neruda, as primeiras seqüências remetem à fatídica
data para os chilenos: Tranqüilo
amanheceu este dia 11 de setembro de 1973. Um feixe de luz alegre me golpeou o
rosto quando abri as janelas. Tranqüilo chegava o mar, tranqüilo estava o céu e
um ar tranqüilo balançava as flores do jardim. Enganoso prenúncio para o
que pouco depois iria ser conhecido e narrado nos dois primeiros capítulos: a
morte e o insólito funeral do poeta. Um registro, sem dúvida terrível, não
somente, por dizer do sofrimento físico e moral que marcou os últimos dias de
Pablo Neruda, mas também, por se constituir a crônica da covardia e da
indignidade dos seus compatriotas que não respeitaram nele um homem gravemente
enfermo e tampouco a sua morte. Esses compatriotas que o poeta acreditava serem
inimigos da violência, apegados às leis, detestando os derramamentos de sangue e que se mostravam de uma
inaudita selvageria.
Muitos foram
os que relataram o enterro de Pablo Neruda, impressionante não apenas pela
perda que representou a sua morte, mas pela manifestação popular dos que
enfrentaram soldados para render-lhe a última homenagem.
Matilde
Urrutia também o faz e a partir de seu sofrimento e de sua dor ao ver destruída
e saqueada a casa de Santiago, “La Chascona”, em que vivera com Pablo Neruda e
onde haviam acumulado verdadeiros tesouros como as peças únicas de cerâmica,
feitas especialmente para ele pelas artesãs do sul do país ou a coleção de
figuras pálidas e cheias de brilho de um artista polonês, que, em pedaços, se
espalhavam pelo chão. Como as peças do grande relógio jaziam pelo jardim assim
como, no jardim, jogada, estava a cadeira onde o poeta se sentava para escrever
seus versos. Desaparecidos, os quadros naifs do México, da Colômbia, de
Samarkand, de Bujara, de Coronel, de Talcahuano e os vidros da casa, todos,
quebrados. E as portas, todas, arrancadas. E as flores e as plantas que ao
longo dos anos ela havia cultivado, destruídas, todas.
Ainda nesse
ano de 1973, quando escrevia suas memórias, no capítulo “Cristales rotos”,
Pablo Neruda constatava: É verdade que o
mundo não se limpa da guerra, não se lava do sangue, não se corrige do ódio. É
verdade.
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