Era astuta, indômita, de uma graça irresistível e tinha um sentido do
poder e uma tenacidade a toda prova. Da prosa de Gabriel García Márquez.
Na
“Sucinta cronologia de Simón Bolívar” com a qual se encerra o livro de Gabriel
García Márquez, El general en su labirinto (Bogotá, Editora La oveja
negra, 1989) em que, por data, são enumerados os principais momentos, os
principais feitos do Libertador, a de 16 de junho de 1822 assinala o seu
primeiro encontro com Manuelita Sáenz. Ela fumava
cachimbo de marinheiro, se perfumava com água de verbena que era loção de
militares, se vestia de homem e andava entre os soldados, mas a sua voz afônica
continuava boa para as penumbras do amor. Foi, entre muitas – Simon Bolívar
reconhece umas trinta e cinco, fora as eventuais passageiras de uma noite – a
mais célebre de suas amantes e a que mais próxima lhe ficou. No dia 25 de
setembro de 1828, em Bogotá, salvou a sua vida de um atentado o que lhe valeu,
dado por ele, o cognome de “Libertadora do Libertador”. Senhora foi da proeza
de manter seus amores por oito anos. No livro que, embora rotulado de romance por
Gabriel García Márquez, segue os passos
de Simon Bolívar na sua rude e acidentada trajetória por regiões do noroeste do
Continente, buscando-lhe a libertação da
Espanha com uma impecável preocupação da verdade e da verossimilhança, a
presença de Manuela Sáenz, ainda que em breves seqüências, disseminadas nas
suas duzentas e sessenta e sete páginas, é constante. Determinada e sem pensar
na sua honra de mulher casada, se impôs ao general. Mas esse seu desejo de
submetê-lo provocou nele a ânsia de se liberar: Foi um amor de fugas perpétuas. Logo depois de conhecê-la em Quito,
ele viaja para Guayaquil. De volta a Quito e para seus braços, parte para
terminar a liberação do Peru onde quatro meses depois ela vai encontrá-lo. Em
Lima, entra e sai da casa presidencial a seu bel prazer e com honras militares.
Para tê-la perto o general a nomeara curadora de seus arquivos, porém nem
sempre permitia que seguisse junto com o Estado Maior. Assim, ao empreender a
conquista dos territórios peruanos que ainda estavam em poder dos espanhóis,
não a levou e ela foi-lhe ao encalço no lombo de mula e com as escravas e um
punhado de soldados, percorreu trezentas léguas pelos Andes, carregada com seus
baús e com os cofres dos arquivos. Levou tempo para descobrir que, estando
longe, ele se consolava com os amores de ocasião que ia encontrando o que não
lhe sufocou o desejo de continuar a segui-lo. Mesmo que antes de partir para o
Alto Peru ele tenha proposto uma separação definitiva para logo, não querer que
ela parta com o marido para a Inglaterra. E, uma vez mais, Manuela lhe segue os
passos quando ele vai às pressas para Santa Fé de Bogotá onde lhe exigiam a
presença: foi uma mudança de ciganos com
os baús errantes numa dúzia de mulas, suas escravas imortais e onze gatos, seis
cães, três micos educados na arte das obscenidades palacianas, um urso amestrado
para enfiar agulhas e as gaiolas de papagaios e de araras [...]. Cinco anos
se tinham passado desde o primeiro encontro e Manuela Sáenz percebeu que ele
estava tão decrépito e em dúvida como
se tivessem se passado cinqüenta e que se movia sem rumo nas trevas da solidão. Não teve mais ânimo para segui-lo,
mas encetou uma guerra, a sua própria guerra, para que ele pudesse regressar a
Bogotá. Entrava nos quartéis com o uniforme de coronel, participava das festas
dos soldados com suas escravas distribuía folhetos que elogiavam o general e
apagava os dizeres escritos com carvão nas paredes que o desprestigiavam. Mas o
general, na sua viagem para o norte, cada vez mais se afastava de Bogotá e,
cada vez mais, perdia suas forças exauridas pela tuberculose. Repousava em
Santa Marta, definhando dia a dia, quando, na segunda semana de dezembro de
1830, o coronel Luis Peru de Lacroix passou para visitá-lo e o encontra,
completamente prostrado. Escreve a Manuela Sáenz sobre o estado em que o
encontra nesse caminho para a morte. Ela empreende sem demora a viagem para
vê-lo. Porém mal saía de Bogotá quando recebeu a notícia que, diz Gabriel
García Márquez, a apagou do mundo.
Abandonou-se às suas próprias sombras e somente teve cuidado em esconder o
cofre com os papéis do general. Os novos donos do poder confiscaram seus bens e
a desterraram. Submissa a sua sorte, errou, com a sua tristeza, até se fixar em
Paita onde morreu, vítima de uma epidemia, aos cinqüenta e nove anos. Seu
cadáver, assim como seus pertences, entre eles as cartas de Simon Bolívar,
foram queimados.
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