Pablo Neruda como todo poeta lírico gosta de
retratar-se em sua poesia, retocando apenas alguns perfis e embaralhando,
ironicamente, muitos dados objetivos. Mas, a dupla ação de indiscretos
admiradores e curiosíssimos inimigos o
forçaram a confessar-se ou a mascarar-se
mais de uma vez, provocando, assim, novos problemas a todas as análises
críticas de sua poesia e sua vida. Emir Rodriguez Monegal.
Disse uma vez
Mejia Baca, um editor peruano que amava o seu ofício, ser lamentável que num
tempo em que os homens chegaram à Lua, o itinerário de um livro, saído de uma
cidade do Pacífico, levasse meses para chegar à outra, situado no Atlântico. Um
caminho tão intricado como o do livro de qualquer país do Continente para
chegar a outro, pois, em relação ao comércio livreiro, as fronteiras se revelam
muito difíceis: se não existem informações quanto ao que foi editado, tampouco,
na velha tradição do subdesenvolvimento de deixar a correspondência sem
resposta, raramente os pedidos são atendidos. Situação que certamente se
agrava, quando se trata do Brasil. Ao se submeter às apreciações críticas do
Hemisfério Norte que lhe orientam as traduções, são bem poucos os autores
latino-americanos publicados e a Literatura dos países da América Latina
continua sendo desconhecida do leitor brasileiro. Mesmo de um Prêmio Nobel,
como Pablo Neruda, poucos foram os títulos e poucas as obras sobre ele ou sobre
a sua poesia que atraíram a atenção das editoras.
Volodia
Teitelboim que, em 1984, publica, segundo a sua editora, a Sudamericana
Chilena, a mais completa, amena e
compenetrada biografia de Pablo
Neruda, relaciona uma infinidade de estudiosos da obra do poeta, cujos
trabalhos não chegaram ao Brasil. Assim, estudar Pablo Neruda sem condições de
conhecer o que sobre ele e sobre a sua obra já foi dito, pode levar à
interpretações equivocadas ou a desnecessárias repetições. Um risco inevitável
que, se enfrentado, se justificará como tentativa de povoar o vazio que envolve
a sua figura e a sua obra no Brasil. Figura e obra que, muito mais que em
outros poetas, não permite sejam dissociadas, porque seus poemas têm ou uma
razão ou um momento ou uma história,
geralmente, muito precisos que, embora, não possibilitem tudo
esclarecer, conduzem a uma aproximação maior dos seus sentidos poéticos. Longo,
provocador e instigante o caminho percorrido por Los versos del capitán,
no dizer de seu autor, entre os seus livros,
um dos mais controvertidos. Foi publicado, pela primeira vez, no ano de
1952, em Nápoles, numa edição clandestina, em belo papel e impresso em tipos
Bodoni e com ilustrações do pintor Paolo Ricci, em cinqüenta exemplares que se
constituem, hoje, uma raridade bibliográfica. No ano seguinte, sai pela Losada
de Buenos Aires que, ainda o publicou, anônimo, outras vezes. E, somente, em
1963 é que o livro foi reconhecido, como seu, por Pablo Neruda que, todavia, no
Prólogo, então acrescentado, não revelou a causa que o levara a publicá-lo
anteriormente sem o seu nome. Causa esta que apenas será conhecida quando suas
memórias, Confieso que he vivido, vem à luz, em 1974: A verdade é que não quis, durante muito
tempo que esses poemas ferissem a Delia, de quem me separava. Delia del Carril,
passageira suavíssima, fio de aço e mel que prendeu minhas mãos nos anos
sonoros, foi para mim durante dezoito anos uma exemplar companheira. Este
livro, de paixão brusca e ardente, ia ser como uma pedra lançada sobre a sua
terna estrutura. Foram essas e não outras as razões profundas, pessoais,
respeitáveis do meu anonimato.
Bem mais tarde, alguns detalhes serão contados pelos amigos, cuja convivência
com o poeta permitiu fossem conhecidos. Mencionado, brevemente, por Volodia
Teitelboim, o seu temor e dos que rodeavam Pablo Neruda, diante dos pretensiosos descobridores eruditos desentranhadores de estilo assaz indiscretos
que proclamavam a viva voz diante da mulher por quem o livro tinha sido
publicado sem o nome do pai que ele era o autor desse livro que anunciava o
amor por outra mulher. E lembra um entardecer em Goiânia, perto do lugar onde
será erguida Brasília, em que o poeta discute com o seu interlocutor que se
vangloria de saber que era ele,Neruda, e não outro, o autor do livro anônimo,
enquanto Delia del Carril, embora dissimulando um ar ausente, era a imagem da mulher sozinha e prostrada.
Pablo Neruda não queria abandoná-la ao se ligar a Matilde Urrutia e durante
sete anos viveu, então, uma vida dupla, compartilhando
o teto conjugal com Delia e o leito
com Matilde. Somente a vingança de uma empregada, que atendia as duas
senhoras em Isla Negra, onde o poeta levava ora uma ora outra, provocou o desenlace: a separação de Delia
del Carril, em 1955. Pablo Neruda passou a viver, às claras, com Matilde
Urrutia, a musa dessa escrita sem censura em que, diz Volodia Teitelboim, o
poeta escondia o rosto para, ingenuamente, deixar a descoberto a alma.
Uma
alma tão cheia de veemência que, em cada um dos poemas de Los versos del
capitán se expandia, fazendo emergir a identidade que o poeta queria
esconder, tanto quanto desejava dizer ao mundo do amor que sentia por Matilde
Urrutia.

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