Numa carta a
sua mãe, escrita na prisão de Turim, no dia 24 de agosto de 1931, Antonio
Gramsci dizia: Fui um combatente que não
teve sorte na luta imediata e os combatentes não podem nem devem ser lastimados
quando lutaram não por obrigação mas porque quiseram, conscientemente. Estas palavras aparecem em epígrafe no romance Barão
de Mesquita, 425: a fábrica do medo de Alcir Henrique da Costa,
publicado em 1981, pela Editora Brasil Debates e, certamente, lhe completam o
sentido. Um sentido que nasce da necessidade de expressar, como bem o definiu
Ferreira Gullar na apresentação que faz ao livro, a experiência dolorosa de toda uma geração de jovens militantes que no testemunho ou na ficção irá registrar
as suas ações e os seus valores, as situações limites com as quais se
defrontaram. No relato de Alcir Henrique da Costa, a ação – assaltar uma
delegacia com o objetivo principal de se apossar de documentos de identidade –
de um grupo de militantes fracassa e eles vão sendo capturados pela polícia e
submetidos aos conhecidos tratamentos da máquina repressora. No cenário da
prisão e no confronto entre o indivíduo indefeso e o que, protegido pela lei,
se atribui o direito de torturá-lo é que se passa a maior parte da ação,
interrompida, por vezes, pelos breves relatos em que as discussões teóricas
explicam as razões da luta e o momento das prisões anunciam o que virá depois.
Baseada em fatos reais, a narrativa se faz a partir da coragem de alguns e da
fraqueza de outros diante dos golpes físicos e morais a que são submetidos.
Primeiro, o ritual conhecido de todos os presos: o grito ao cabo de guarda, a chave no cadeado, a tramela, a porta
rangendo, depois o ruídos do ar
condicionado na sala roxa, os gritos
roucos e sem saliva do torturado.
Depois, o ritual, aplicado a cada um em variações de verdadeiro horror que o
relato não elude. Cuidadosa ficção no alternar do tempo, no ritmo narrativo
preso ao essencial, na verossimilhança dos perfis que se mostra escorreita, sem
enfeites. E que traz ao mundo dos homens a imagem de uns (que necessitam da
maldade racional e dela fazem uso) e de outros (que buscam maneiras de
erradicá-la).
No
seu enfileirar de barbárie e selvageria que a desfaçatez e a prepotência
quiseram negar terem existido nos porões de um regime que, além de intolerante
para com seus opositores, muito pouco realizou por todos os demais cidadãos,
Barão de Mesquita, 425: a fábrica do medo se inicia e termina com dois
momentos luminosos de confiança e de solidariedade: o primeiro capítulo do
romance em que o padre questiona o seu acompanhante sobre a decisão de voltar
para o Nordeste e continuar na militância, oferecendo-lhe ajuda. E o último,
quando se reencontram poucas horas depois, se despedem, e o padre o ajuda com
um pouco de dinheiro e o vê partir, convicto. Só então, se revela o seu nome,
Miquimba, e ele surge como semente auspiciosa que levará avante a luta.
No ano em
que foi publicado o romance de Alcir Henrique da Costa, mal se desvaneciam as
sombras ditatoriais no Continente e talvez muitos acreditassem em novos tempos.
E até mesmo, quem sabe, fosse possível conseguir não lastimar os caídos e
pensar que o combate contra os persistentes caminhos da opressão, e em quantas
frentes ela se exerce ,fosse, ainda, viável. Daí a presença de uma esperança
– é preciso dizer, convencer, mudar – na figura de Miquimba para quem as
palavras que ouviu tiveram sentido. Na sua passagem de praça do exército a
militante está presente uma esperança. Na verdade, muito tênue e que não é
suficiente para impedir que acabe por reinar, soberana, a grande melancolia
diante da certeza de que, nada vingou desses desejos utópicos de justiça social
numa sociedade renhidamente dividida em classes e que o sofrimento dos
maltratados e o sacrifício dos que morreram, foi, definitivamente, em vão.
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