domingo, 9 de junho de 2002

Manuela Sáenz 3


  ...a que lhe afia as espadas e com um olhar o deixa nu e o perdoa .Eduardo Galeano


            Victor W. Von Hagen publica, em 1953, no México, Las cuatro estaciones de Manuela, uma biografia, fruto de longas buscas em arquivos de vários países e que segundo o autor, apenas menciona o que foi, minuciosamente investigado. Assim, a certidão de batismo, com data de 29 de dezembro de 1797 onde consta que Manuela nascida dois dias antes, é uma criatura espúria, cujos pais não são nomeados. Na verdade, era filha de um nobre espanhol e de uma equatoriana, herdando de um o desejo de autoridade e de glória e do outro, o carinho pela terra onde nasceu. Revelou-se, desde muito cedo, uma transgressora. Aos quinze anos, vestia roupa de homem, fumava e domava cavalos. Aos dezesseis, a encerraram num convento de onde fugiu no ano seguinte. Aos vinte anos, a casaram com um respeitável e rico médico inglês o que a tornou respeitável e admirada e, sobretudo, envolvida por uma aura de inveja. Quando Simon Bolívar, em 1822, entra em Quito, cavalgando à frente de seu exército, é recebido com flores, jogadas, entre música e fogos de artifício, das sacadas, pelas mulheres, entre as quais, pela beleza, sobressaía Manuela Sáenz. Simon Bolívar, diz Eduardo Galeano, levanta a cabeça e lhe crava os olhos, lenta lança. À noite, num baile que celebrava a vitória na batalha de Pichincha contra os espanhóis, acontece, entre eles, o encontro. Dançam sem temer o escândalo e se unem para uma longa história de paixão. Ela o acompanha, luta por ele e o defende. Seja sufocando um motim na praça de Quito, seja organizando oficinas para a confecção de uniformes do novo exército, seja convertendo suas escravas em espiãs, membros dos quadros de informantes secretos de Bolívar. Notícias, dados e dizeres, queixas, murmurações coletivas  lhe eram relatados para que, informada tanto dos mexericos como de planos e projetos de conspirações políticas, pudesse transmitir a Simon Bolívar o que, eventualmente, lhe pudesse ser útil.

            Foi-lhe conferida a Orden del Sol, atribuíram-lhe funções no Estado Maior de Bolívar, outorgou-se a si mesma o grau de Coronela e passou à História como”Libertadora do Libertador”. Mas os fados se lhe mostraram funestos. Após a morte de Simon Bolívar, lhe foi negada a permissão para entrar no seu país; a pensão vitalícia que lhe foi concedida pelo Congresso do Peru como possuidora de Orden del Sol, nunca lhe chegou às mãos, negada pelas autoridades de Lima. Em Paita, um povoado triste do norte do Peru, viveu pobre, um pouco do comércio de velas, outro pouco do comércio de réstias de alho no mercado ou vendendo, para os marinheiros, pequenas figuras de animais feitas de doce. Ao morrer, atacada pela enfermidade que dizimou boa parte da população da pequena cidade, foi enterrada – diz Marta de Paris, no capítulo que lhe dedica no seu livro Amantes, Cautivas e Guerreras – como todas as vítimas numa fossa comum ao pé dos faróis cinzentos do porto de Paita.

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