domingo, 3 de março de 2002

Vozes perdidas 3

A julgar pelos escritos publicados, em 1937, pelo El Mono Azul de Madrid, Hora de España de Valencia e Commune de Paris, recolhidos por Manuel Aznar Soler e Luiz Mario Schneider, no livro Ponencias, Documentos y Testimonios, Volumen III (Barcelona, Editorial Laia, 1979), do II Congresso Internacional de Escritores Antifascistas, realizado, em Madrid em julho de 1937, foram poucos os escritores latino-americanos que estiveram presentes: José Mancisidor e Carlos Pellicer, do México; César Vallejo, do Peru; Nicolas Guillén e Juan Marinello, de Cuba; Raul Conzáles Tuñon, da Argentina e Vicente Saenz da Costa Rica.

            Recebidos, fidalgamente, pelos espanhóis republicanos, a paisagem e o contato com o povo os emocionaram e, entre lembrar as origens ibéricas e encontrar inequívocas razões de admiração pelos feitos heróicos nas trincheiras, houve, muitas vezes, por parte deles, exageradas e apologéticas expressões, mesclando-se a incontestes adesões e as certezas da vitória que almejavam. Carlos Pellicer e Vicente Saenz, no entanto, embora não isentos da paixão que se revela nas frases grandiloqüentes – Mas não há nada mais belo, dramático e cheio de vida que a ação dirigida em favor da causa dos oprimidos do mundo inteiro – e nas expressões que eram de uso de todos – justiça, horrores de uma guerra, opressão, vítima do fascismo, barbárie, heroísmo – guardaram uma lucidez que lhes permite dizer o que até então parecia estar sendo ignorado.

            Carlos Pellicer é um dos poucos a mencionar a inércia da Sociedade das Nações ao abandonar a Abissínia a sua sorte e o desinteresse do imperialismo inglês ou francês ou norte-americano em, efetivamente, ajudar a Espanha republicana. Uma ajuda que, no seu entender, tampouco aqueles que participavam do Congresso poderiam oferecer, pois alguns deles, por razões políticas, não poderiam voltar a seu país de origem e os que pudessem fazê-lo, não encontrariam condições, junto a seus governos para levá-los a assumir uma posição contrária a das grandes potências.

            Vicente Saenz, por sua vez, inicialmente, faz uma pergunta: o que podem fazer os trabalhadores intelectuais e manuais, dos pequenos e fracos países ou das grandes potências para esmagar o fascismo ? Pergunta que parece condenada a ficar sem resposta. Ao argumentar que os aviões da Alemanha e da Itália voam com o combustível das companhias inglesas, holandesas e norte-americanas; que as armas fabricadas devem ter, obviamente, um comprador; que a Internacional  Socialista se limita a pedir à Liga das Nações que os governos se atenham ao Direito Internacional, acaba por concluir que as duas Internacionais se mostram ineficazes para deter as forças do fascismo, do nazismo e do imperialismo. Como outros que usaram da palavra, também ele está convicto de que não é somente o destino da Espanha que está em jogo nessa luta desigual, mas o futuro de todos, pois, se ela estando tão próxima, geograficamente, da França e da Inglaterra, é passível de sofrer ataques sangrentos por parte de potências estrangeiras, o que podem esperar as frágeis e desamparadas nações latino-americanas. Sua palavra se ergue, então, para testemunhar sobre os combates contra a voragem do capital monopolista no Continente, expressa na presença de soldados estrangeiros e couraçados e aviões de bombardeio no Haiti, no México, em Santo Domingo, na Nicarágua, em Cuba, em Porto Rico. Lutas sem vitória que ocorreram, sem que os europeus se dessem conta: O Velho Mundo olhou sempre com indiferença para as dores da América Hispânica é a constatação que faz. Pertinente, nesse momento em que os intelectuais reunidos na Espanha se indignavam e se compadeciam com o que lhes era dado presenciar. Talvez, poucos tenham sabido desses outros massacres que fizeram, ao longo dos anos, parte da História do Continente e dos quais os ibéricos nem  sempre estiveram inocentes.

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