Jean-Christophe
Rufin, médico e um dos pioneiros do movimento humanitário “sem fronteiras”,
viveu durante muitos anos no Brasil. Autor de ensaios sobre o Terceiro Mundo e
de Les causes perdues, Sauver Ispahan, L’Abyssin, livros de ficção que
foram traduzidos em várias línguas, recebeu, no ano passado o Prix Goncourt
pelo seu romance Rouge Brésil, publicado pelas Editions Gallimard de
Paris.
Ao
falar das fontes de sua história – duas crianças são trazidas com a expedição
francesa que veio para o Brasil com o propósito de fundar a França Antártica –
menciona o momento em que, pela primeira vez, teve a idéia de escrevê-la. Na
visita ao museu Paço Real, do Rio de Janeiro, diante de quadros representando a
baía de Guanabara, antes da chegada dos colonizadores, reconheceu o tema que lhe é uma obsessão: o primeiro encontro entre civilizações diferentes, o instante da
descoberta que, em germe, contém todas as paixões e todos os mal-entendidos que irão nascer.
No seu
romance, esse encontro se dá entre Nicolas Durand de Villegagnon e sua tropa de
mercenários e os índios tamoios que, então, habitavam o litoral do Rio de
Janeiro. Em 1555, ele chega na baia de Guanabara e se instala numa ilha que
batiza, de Coligny e, ali, inicia a construção de um forte. A rígida moral
luterana que procurava impor aos aventureiros que havia trazido nos seus
barcos, não foi suficiente para impedir as relações amorosas com as índias nem o
consumo do cahouim, a bebida
negociada, como as mulheres, às escondidas pelos franceses e ingleses que
exploravam os índios e o comércio do litoral de terra firme, abastecendo a ilha
com água potável e alimentos. Porém, o desejo de transformar esse mundo
desconhecido ao qual chegara, apoiando-se, apenas, nas próprias razões, o
impedia de perceber tudo o mais – as montanhas, o mar, a pujante vida que ali
existia, os sofrimentos de seus homens – que não fosse tentar refazer, na ilha,
o universo francês de além mar.
Assim, olhar o Mundo Novo, perceber-lhe os sons e os
perfumes, na espontaneidade das sensações e dos afetos, caberá a Colombe, a
menina órfã, enviada para aprender a língua dos índios e servir de intérprete.
Chega ao destino que não procurou e do desamparo, faz alegria. Em meio ao
desespero dos recém chegados que somente vêem, diante de si o deserto, antes
mesmo de desembarcar, ela se sente feliz, ao sentir a tepidez da noite, sua imobilidade acariciante, úmida como uma
respiração apimentada, vinda da floresta [..]. E, sem preconceitos, saberá,
sempre, usufruir a vida que irrompe ao seu redor na inesperada paisagem
tropical que o romancista, demiurgo, tem o poder de recriar: o verde brilhante
da vegetação selvagem, a água cor de esmeralda, a floresta suntuosa onde se
abrigam as samambaias gigantes, os braços arredondados das seringueiras, a
superfície aquosa dos ébanos. São os sons feitos do fervilhar invisível de
vida, o mover-se da brisa nos galhos das coníferas, os perfumes dos bosques ou da
acidez marinha picante de sal e de algas. São os papagaios, os
pavões, uma borboleta vermelha e azul. Presença a remeter a uma exuberância e a
uma pureza que logo, e para sempre, serão conspurcadas pelos homens que chegam
no Continente buscando riquezas e não hesitam em exauri-lo: A ilha, dois meses depois do desembarque,
estava irreconhecível. Os machados haviam mordido bastante a madeira dos
coqueiros e dado golpes surdos nos seus corpos fibrosos, muitas centenas tinham
sido abatidos [..], uma vintena de escravos munidos – graças aos franceses –
de machados, enxadões, gazuas e outras ferramentas, tinha a terrível tarefa de
abater as árvores de pau-brasil nos lugares escarpados e perigosos em que elas
cresciam e depois as esquartejar. Os despojos dessas nobres madeiras, trazidas
da terra firme pelas pirogas, jaziam em desordem, sobre a praia da ilha,
esperando o embarque.
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