domingo, 7 de abril de 2002

Rouge Brésil. A descoberta


O perfume. Era ácido, suculento, túrgido, primaveril. Fechando os olhos, surgia a vontade de dizer que era colorido, vermelho, talvez alaranjado. 

            Ninguém, ainda, gritara terra à vista mas, o cheiro, estranho, ao mesmo tempo frágil e intenso, envolvia o barco e parecia pairar sobre a superfície do mar: um imenso cheiro de fruto maduro. Nicolas Durand de Villegagnon, como todos no navio, se deixou impressionar e comover. Chorou de alegria antes de avistar a terra, dois dias depois. Partira do Havre-de-Grâce, com três navios em busca do território que seria a França de além mar. A sua viagem, a luta para construir na ilha da baía da Guanabara, onde aportou, o Forte que chamaria de Coligny e outras histórias da travessia e da chegada que se entrelaçam, são contadas no romance de Jean-Christophe Rufin¸ Rouge Brésil, que a Gallimard de Paris, publicou no ano 2001.

            Num dos navios, o “Grande Roberge”, Villegagnon viajava com a sua corte de senhores de armas e de sábios. O “Rosée”, menor do que os outros, continha nos seus porões, vacas de leite, mulas, carneiros, galinhas, cabras, cães de caça; e padeiros, marceneiros, chapeleiros, encadernadores. Entre eles, Just e Colombe, quase crianças, lançados na aventura, sem retorno, de uma viagem para a América, no ano de 1555. Acreditando estar indo ao encontro do pai, um capitão francês que lutara na Itália, foram ludibriados para aceitarem partir sem saber a função que lhes estava destinada: aprender a língua dos indígenas e servir de intérprete entre eles e os que chegavam ao Continente.

Quando, no horizonte, apareceram as primeiras linhas de terra firme, pinceladas de azul, um grande medo invadiu os soldados, imbuídos das certezas populares que lhes indicavam terem chegado aos abismos em que seriam lançados. No momento do desembarque, medrosos e desconfiados, mal pisaram as areias brancas, se agruparam sob as sombras dos primeiros coqueiros. Colombe lhes adivinhava o susto no rosto e no silêncio. Mas, além de se admirar ao perceber que somente ela não estava temerosa ou inquieta, se sentia feliz e calma o suficiente para procurar abrigo sob as grandes árvores e se deixar adormecer. Uma felicidade que a irá acompanhar ao receber ordens de partir, na companhia de uns poucos soldados, munida de um caderno e de um tinteiro, para, em terra firme, aprender a língua dos índios. Então, ao se adentrar na floresta, se inicia, para ela, um tempo de descobertas: o roçar das serpentes nos cipós, a fuga dos pequenos bichos, o vôo ondulante dos pássaros coloridos, a beleza do corpo humano que se rende na espontaneidade e pureza da nudez. E se mostrará receptiva a tudo que o universo do Continente no qual penetra lhe oferece: a limpidez e o toque das águas, os perfumes, os ruídos, a aprendizagem do viver indígena.

            Ao chegar, pela primeira vez, na taba dos tupis foi rodeada pelas mulheres, despida, levada para um pequeno lago, sobre o qual jorravam duas minúsculas cascatas. Induzida pelas índias, entrou na água onde a esfregaram com punhados de vegetais que pareciam espuma. Os dias que se seguiram foram lhe ofertando o perfume das essências de pau-brasil e de coníferas, do capim, do barro fresco e das resinas; os ruídos dos animais, murmúrios, a percussão dos tambores, os guizos de maracás, os risos barulhentos. E a compreensão, por vezes à meias, do ritual dos gestos e das crenças: o mover-se em silêncio na oca, numa presença que, no coração da floresta, não se mostrava maior do que a dos pássaros, das serpentes, dos insetos; a cerimônia de pintar o corpo de negro, de vermelho, de branco e dançar e cantar, buscando proteção contra os maus espíritos e fumar e beber; a idéia do sagrado – as flores, os rochedos, as águas vindas das montanhas –, regido por uma infinidade de espíritos que tudo protegem; a concepção do amor, uma aptidão múltipla e abrangente que não se satisfaz de um só ser mas acapara os seres mais próximos, a tribo, o sol, as árvores, a água das cascatas, o vento, a terra, a noite e o dia, o fogo e o sal, o avestruz e a anta.

            Ao aceitar esse mundo novo que lhe resulta harmonioso, por ele será cativada. Num de seus retornos à ilha onde Villegagnon, usando sempre da força e da crueldade, queria instituir a França Antártica, ela percebe que deseja, outra vez, sentir a grande paz da floresta, banhar-se nas torrentes e se esforçar para se mover na natureza sem perturbá-la.

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