O perfume. Era ácido, suculento, túrgido, primaveril. Fechando os
olhos, surgia a vontade de dizer que era colorido, vermelho, talvez alaranjado.
Ninguém,
ainda, gritara terra à vista mas, o
cheiro, estranho, ao mesmo tempo frágil e
intenso, envolvia o barco e parecia
pairar sobre a superfície do mar: um
imenso cheiro de fruto maduro.
Nicolas Durand de Villegagnon, como todos no navio, se deixou impressionar e
comover. Chorou de alegria antes de avistar a terra, dois dias depois. Partira
do Havre-de-Grâce, com três navios em busca do território que seria a França de
além mar. A sua viagem, a luta para construir na ilha da baía da Guanabara,
onde aportou, o Forte que chamaria de Coligny e outras histórias da travessia e
da chegada que se entrelaçam, são contadas no romance de Jean-Christophe Rufin¸
Rouge Brésil, que a Gallimard de Paris, publicou no ano 2001.
Num
dos navios, o “Grande Roberge”, Villegagnon viajava com a sua corte de senhores
de armas e de sábios. O “Rosée”, menor do que os outros, continha nos seus
porões, vacas de leite, mulas, carneiros, galinhas, cabras, cães de caça; e padeiros, marceneiros, chapeleiros, encadernadores. Entre eles, Just e Colombe,
quase crianças, lançados na aventura, sem retorno, de uma viagem para a
América, no ano de 1555. Acreditando estar indo ao encontro do pai, um capitão
francês que lutara na Itália, foram ludibriados para aceitarem partir sem saber
a função que lhes estava destinada: aprender a língua dos indígenas e servir de
intérprete entre eles e os que chegavam ao Continente.
Quando, no
horizonte, apareceram as primeiras linhas de terra firme, pinceladas de azul,
um grande medo invadiu os soldados, imbuídos das certezas populares que lhes
indicavam terem chegado aos abismos em que seriam lançados. No momento do
desembarque, medrosos e desconfiados, mal pisaram as areias brancas, se
agruparam sob as sombras dos primeiros coqueiros. Colombe lhes adivinhava o
susto no rosto e no silêncio. Mas, além de se admirar ao perceber que somente
ela não estava temerosa ou inquieta, se sentia feliz e calma o suficiente para
procurar abrigo sob as grandes árvores e se deixar adormecer. Uma felicidade
que a irá acompanhar ao receber ordens de partir, na companhia de uns poucos
soldados, munida de um caderno e de um tinteiro, para, em terra firme, aprender
a língua dos índios. Então, ao se adentrar na floresta, se inicia, para ela, um
tempo de descobertas: o roçar das serpentes nos cipós, a fuga dos pequenos
bichos, o vôo ondulante dos pássaros coloridos, a beleza do corpo humano que se
rende na espontaneidade e pureza da nudez. E se mostrará receptiva a tudo que o
universo do Continente no qual penetra lhe oferece: a limpidez e o toque das
águas, os perfumes, os ruídos, a aprendizagem do viver indígena.
Ao
chegar, pela primeira vez, na taba dos tupis foi rodeada pelas mulheres,
despida, levada para um pequeno lago, sobre o qual jorravam duas minúsculas
cascatas. Induzida pelas índias, entrou na água onde a esfregaram com punhados
de vegetais que pareciam espuma. Os dias que se seguiram foram lhe ofertando o
perfume das essências de pau-brasil e de coníferas, do capim, do barro fresco e
das resinas; os ruídos dos animais, murmúrios, a percussão dos tambores, os
guizos de maracás, os risos barulhentos. E a compreensão, por vezes à meias, do
ritual dos gestos e das crenças: o mover-se em silêncio na oca, numa presença
que, no coração da floresta, não se mostrava maior do que a dos pássaros, das
serpentes, dos insetos; a cerimônia de pintar o corpo de negro, de vermelho, de
branco e dançar e cantar, buscando proteção contra os maus espíritos e fumar e
beber; a idéia do sagrado – as flores, os rochedos, as águas vindas das montanhas
–, regido por uma infinidade de espíritos que tudo protegem; a concepção do
amor, uma aptidão múltipla e abrangente
que não se satisfaz de um só ser mas
acapara os seres mais próximos, a tribo, o sol, as árvores, a água das
cascatas, o vento, a terra, a noite e o dia, o fogo e o sal, o avestruz e a
anta.
Ao
aceitar esse mundo novo que lhe resulta harmonioso, por ele será cativada. Num
de seus retornos à ilha onde Villegagnon, usando sempre da força e da
crueldade, queria instituir a França Antártica, ela percebe que deseja, outra
vez, sentir a grande paz da floresta,
banhar-se nas torrentes e se esforçar para se mover na natureza sem perturbá-la.
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