domingo, 21 de abril de 2002

Rouge Brésil. A opção


            Chegaram em 1555, ainda crianças, com a expedição de Nicolas Durand de Villegagnon que pretendia dar à França domínios na América: Just, filho de François de Clamorgan, um capitão francês que lutava na Itália, nesse tempo em que a França fazia a guerra sem vivê-la, como diz um personagem do romance. Imbuído do valor da nobreza de seu nome e dos ideais da fidalguia, a se sentir incômodo sob o céu tropical e o calor do sol, a duvidar de seu futuro que desejava alhures, a se desapontar com o trabalho que devia realizar, deixa-se, no entanto, cativar por Villegagnon e por seu sonho: Tudo está por construir, tudo está por conquistar. Ao desembarcar na ilha – uma ilha é o lugar mais seguro para se fortificar – onde aportaram os navios, entre os que se deram conta que o Novo Mundo era só um deserto e, então, se apavoraram, também teve medo. E, ao se manter em guarda, ignorou a paisagem que o rodeava, ao contrário de Colombe, vestida de menino para poder acompanhá-lo – eram tidos como irmãos – que se rendeu à beleza da baía da Guanabara, ao céu azul, ao mar de águas transparentes e mornas. E ambos se submeteram ao que deles se esperava: Just obediente as suas certezas européias, lê os poucos livros que acompanharam Villegagnon, aprende com ele as lutas nobres e orienta os trabalhos de construção do forte que será erguido na ilha. Colombe, depois de ajudar no registro de tudo o que havia na ilha, espera, impaciente, o momento de ir para terra firme e ter contacto com os indígenas para aprender-lhes a língua, pois, para isso, para ser intérprete, é que havia sido embarcada.

            Porém, nos cinco anos que se passaram, o forte Coligny, embrião da França Antártica no Brasil, foi palco de injustiças, repressões, intrigas estéreis, discussões tidas por transcendentais, desânimos, dissidências, na busca insensata de repetir, nos trópicos, a Europa. Colombe, que da ilha se ausentava para, em terra firme, viver entre os índios, nas vezes em que retornou, se mostrava, entre os brancos, a única a conservar uma radiosa saúde, tirada das águas claras da montanha, da sombra delicada da floresta e dos frutos que ela colhia nas árvores e, desolada, percebia o que os homens haviam feito da pequena ilha solitária e vulnerável: dois meses depois do desembarque, se tornara irreconhecível. Centenas e centenas de coqueiros haviam sido cortados e reinava o barulho dos enxadões, das serras e das algaravias dos trabalhos. Depois, também os cedros foram abatidos e as taquaras e os juncos e o relevo da ilha passara a ser feito de aterros e de muros em construção. E, também se dá conta que a ilha, minúscula e brutalmente povoada, também, era dominada pela violência e pelo ódio e, assim, destruída. Na ousadia de quebrar normas estritas, escolhe viver entre os índios, sem ignorar que não lhe será permitido voltar atrás mas, ainda assim, foge para terra firme.Correndo entre as flores da floresta, seu corpo aguerrido e acariciado de pinturas marciais, jovem e tenso como as folhas turgentes das seringueiras, ela se sentia na encruzilhada de todas as forças e de todas as doçuras, de todas as firmezas e de todas as ternuras.  Forte e sábia o suficiente para recusar, quando Just lhe pede para voltar à ilha que, de longe ela via destroçada na baía que, em  suas cores, resplandecia de majestade e de paz.           

            Como um canto de esperança termina o romance de Jean-Christophe Rufin, Rouge Brésil que a Gallimard de Paris publicou no ano de 2001 e que foi laureado com o PrêmioGoncourt: Colombe e Just, já de posse dos segredos – o pai já não mais existia e assim cessariam de buscá-lo, eles não eram irmãos – que lhes turvava a vida e os aprisionavam num parentesco inexistente, floresceram para a vida adulta livre de peias. Negando-se às lutas, às intrigas, às violências, às ambições dos que tinham a certeza de serem civilizados, escolhem a felicidade no seio da floresta e na vida entre os índios.

           

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