domingo, 2 de dezembro de 2001

A noite de Port au Prince

            Em 1955, Jacques Stephen Aléxis publica o seu primeiro romance, Compère Général Soleil (Paris, Gallimard). Quarenta anos antes, os norte-americanos haviam desembarcado no seu país para nele estabelecer, à força, uma espécie de ordem cujos resultados lhe seriam, especialmente, propícios: na Constituição que, em muito pouco tempo, eles deram ao Haiti, eliminaram o artigo presente nas dezesseis Constituições anteriores que proibia, aos estrangeiros, a posse da terra. Logo, as companhias americanas passaram a dominar a economia do país cujo nível de vida setenta e sete dólares por ano, por pessoa, segundo estatística das Nações Unidas, na época, hoje é um dos mais baixos do mundo.
            Jacques Stephen Aléxis cria a sua história ficcional, inserindo-a nesse mundo, super povoado  e miserável e sufocante de Port-au-Prince,   fazendo seu herói, um jovem negro pobre, maltratado e epilético: Hilarion Hilarius. Ele acaba por ser vencido pelo Sistema que combate, mas antes disso, ainda acredita que há um caminho a seguir que se tornou claro para ele, no dia em que viu um  grande sol vermelho a luminar o peito de um trabalhador. Esse olhar do personagem para a esperança, a expressar um anseio de vida é também, o olhar do narrador a se deter num cenário, que embora,  degradado muitas vezes.  se ilumina   de belezas.

            O “Prólogo” que antecede as três partes da narrativa é construído, graficamente, em dois momentos narrativos entrelaçados:  em itálico, as andanças de Hilarion Hilarius pelas ruas de Port-au-Prince, a sua incursão na casa rica para roubar e a sua prisão. Em cursivo, breves seqüências a dizer da noite na qual se inscreve essa aventura. Uma noite humanizada por  recursos estilísticos que a exibem como  uma bela jovem coberta de jóias elétricas, de flores de fogo que ardem ou com  suas espáduas negras e seus cabelos de pequenas nuvens de lã branca a enfraquecer lentamente; que a fazem dinâmica a estremecer com as estrelas ou partir com passos de lobo;  que a fazem vibrar e induzir à dança os homens e as coisas. Ou que lhe atribuem qualidades  inocente e cúmplice,  virgem negra,  voraz, azul como a tinta, pérfida, vestida de negro, tropical, cheia de zumbis e de estrelas. Ou, ainda, lhe atribuem estados de espírito: pálida e triste como à véspera de abandonar seu combate com a  Aurora, prendendo-se, ainda, desesperadamente nos relevos da paisagem enquanto o branco tímido do dia começava a se insinuar; quase vencida, crivada de dardos claros,a fugir diante da Aurora.

            São breves pausas como pequenos poemas, insistindo a tomar alento nesse levantar de olhos para o céu a interromper a tristeza do relato. O “Prólogo” termina com Hilarion Hilairius acordando na cadeia, dolorido pelos maus tratos, desejando a morte para se libertar dos sofrimentos dessa longa noite e daquelas que a vida sempre lhe infligiu. Mas, deixa-se ficar, deixa-se adormecer. E imagem de alegria e força esse galo  com sua crista de sol, com as asas brilhantes  a cantar loucamente acenando para a vida. A noite findara.

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