domingo, 23 de dezembro de 2001

Fronteiras, passagens, paisagens na Literatura Canadense


Fronteiras, passagens, paisagens na Literatura Canadense, organizado por Maria Bernadettte Porto e publicado pela Editora da Universidade Federal Fluminense e Associação Brasileira de Estudos Canadenses, no ano 2000, é fruto de pesquisas plurais que partem de reflexões sobre temas especificamente canadenses: as origens (próximas ou distantes, os canadenses tem as suas raízes alhures), a travessia das identidades e o estado de oscilação entre uma e outra cultura daquele que chegou para iniciar uma nova vida.

            Entre os ensaios oriundos dessas reflexões, cujo interesse extrapola a Literatura Canadense, para se fixar, também, na questão da identidade como processo de construção contínua, um texto de ficção da quebequense Lori Saint-Martin.

            É um breve conto em cujo título “Pur polyester” (“Puro poliéster”) está contida a crítica à expressão pure laine (pura lã) com que os quebequenses, que se acreditam de linhagem pura, se auto designam. A narrativa, de uma jovem imigrante, se faz na primeira pessoa. Seu itinerário de pobreza se inicia, com a partida dos pais de Salamanca para Paris e daí para Quebec. Se o nome do dinheiro – pesetas, francos, dólares – muda, o seu montante não é jamais suficiente para pagar as necessidades primeiras e, eventualmente, algo de prazeroso. E o dizer, sempre matizado e imperfeito – as palavras faltam ou sobram – é, sempre, denunciador, como também as roupas pobres de alguém que recém chegou. É o caso da narradora, porque o lugar de seu pai e de sua mãe, a Salamanca, da Universidade e da Catedral, do calor do sol, dos passarinhos na praça, das lagartixas e dos terraços, não lhe diz respeito. Embora se nutra das lembranças que eles trouxeram e da música de que é feita a voz da sua mãe quando fala o espanhol. Uma voz que se eleva, também, para outras lembranças: as penosas, da imigrante em Paris; as de tristeza, quando volta a Espanha para enterrar a  mãe e vestir um luto que, assim se faz em Espanha, jamais abandonará. E para um enunciado a prover um outro, inevitável exílio: Quando se perde a mãe, perde-se a terra inteira e o sal e a luz. Palavras que a narradora é demasiado jovem para entender e porque ainda está na fase de se enraizar no universo para onde foi transplantada e sobre o qual se interroga. O seu relato testemunha o cotidiano de duros trabalhos daqueles que chegam ao país e dos desconfortos que enfrentam; e este sentir dos que no presente, ainda vivem algo do passado e ao qual se acrescentam os acenos de um futuro promissor. Um relato ameno, algo melancólico, por vezes ingênuo, a expressar esse rito de passagem que para os habitantes do Continente não acaba de se concluir.  Embora, alguns, disso não se dêem conta ao se julgarem melhores apenas porque chegaram antes.

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