Fronteiras, passagens, paisagens na
Literatura Canadense, organizado por Maria Bernadettte Porto e publicado
pela Editora da Universidade Federal Fluminense e Associação Brasileira de Estudos
Canadenses, no ano 2000, é fruto de
pesquisas plurais que partem de reflexões sobre temas especificamente
canadenses: as origens (próximas ou distantes, os canadenses tem as suas raízes
alhures), a travessia das identidades
e o estado de oscilação entre uma e outra cultura daquele que chegou para
iniciar uma nova vida.
Entre
os ensaios oriundos dessas reflexões, cujo interesse extrapola a Literatura
Canadense, para se fixar, também, na questão da identidade como processo de
construção contínua, um texto de ficção da quebequense Lori Saint-Martin.
É
um breve conto em cujo título “Pur polyester” (“Puro poliéster”) está contida a
crítica à expressão pure laine (pura lã) com que os quebequenses, que se acreditam
de linhagem pura, se auto designam. A narrativa, de uma jovem imigrante, se faz
na primeira pessoa. Seu itinerário de pobreza se inicia, com a partida dos pais
de Salamanca para Paris e daí para Quebec. Se o nome do dinheiro – pesetas,
francos, dólares – muda, o seu montante não é jamais suficiente para pagar as
necessidades primeiras e, eventualmente, algo de prazeroso. E o dizer, sempre
matizado e imperfeito – as palavras faltam ou sobram – é, sempre, denunciador,
como também as roupas pobres de alguém que recém chegou. É o caso da narradora,
porque o lugar de seu pai e de sua mãe, a Salamanca, da Universidade e da
Catedral, do calor do sol, dos passarinhos na praça, das lagartixas e dos
terraços, não lhe diz respeito. Embora se nutra das lembranças que eles
trouxeram e da música de que é feita a voz da sua mãe quando fala o espanhol.
Uma voz que se eleva, também, para outras lembranças: as penosas, da imigrante
em Paris; as de tristeza, quando volta a Espanha para enterrar a mãe e vestir um luto que, assim se faz em
Espanha, jamais abandonará. E para um enunciado a prover um outro, inevitável
exílio: Quando se perde a mãe, perde-se a terra inteira e o sal e a luz. Palavras
que a narradora é demasiado jovem para entender e porque ainda está na fase de
se enraizar no universo para onde foi transplantada e sobre o qual se
interroga. O seu relato testemunha o cotidiano de duros trabalhos daqueles que
chegam ao país e dos desconfortos que enfrentam; e este sentir dos que no
presente, ainda vivem algo do passado e ao qual se acrescentam os acenos de um
futuro promissor. Um relato ameno, algo melancólico, por vezes ingênuo, a
expressar esse rito de passagem que para os habitantes do Continente não acaba
de se concluir. Embora, alguns, disso
não se dêem conta ao se julgarem melhores apenas porque chegaram antes.
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